“Não é só do MPLA aquele que usa gravata e fala bom português”

Bento Kangamba quebrou o silêncio e acedeu ao convite do Luanda Post para conceder uma Grande Entrevista de avaliação ao actual momento político que o país atravessa. Para o militante do MPLA e antigo cabo eleitoral do Partido nas eleições de 2012, Angola testemunhou um histórico processo de transição política, na Presidência da República e de que todos devem se orgulhar. Nega haver duas alas dentro do Partido, uma Eduardista e outra Lourencista, e muito menos admite ter sido esquecido ou colocado de parte por João Lourenço. Garante ter uma boa relação com o Presidente do MPLA, de quem espera que seja capaz de unir os militantes.  

Que avaliação faz do actual momento político que o país atravessa?

Vivemos um período político em que se espera muita coisa para acontecer, porque o presidente do MPLA, camarada João Lourenço, é novo na direcção do Partido e bem como enquanto Presidente da República. Tivemos um Presidente que esteve 38 anos e, é claro, vamos tendo algumas dificuldades, porque não é fácil substituir uma pessoa que esteve 38 anos no poder. É diferente de substituir  alguém que esteve apenas três ou quatro anos. Acho que a direcção do Partido tem feito tudo, para que o Presidente da República e do MPLA crie factores de união, para que o caminho seja para frente.

Acha que a transição foi muito bem feita?

Com certeza. A transição ao nível do MPLA foi boa e está a ser bem feita. Algumas pessoas podem dizer que alguns problemas têm estado a acontecer, mas é normal, porque é uma transição. É preciso beber esta experiência e abrirmos um espaço para que esta transição ocorra sem constrangimentos.

Acredita que o MPLA conseguirá cumprir com as últimas promessas feitas, entre as quais a de maiores postos de emprego para a juventude, quando restam apenas dois anos para o fim do presente mandato?

O Partido fez um compromisso com a Nação e procura cumprir. Nas eleições houve algumas propostas e acreditamos que o Presidente, e a sua equipa que está no Executivo, tem estado a estudar políticas para encontrar soluções imediatas para estas questões do emprego. É verdade que é complicado, mas o Governo tem estado a criar soluções para que estes empregos existam. Não tem sido fácil, sobretudo nessa altura em que estamos a viver a pandemia e a própria economia está a ressentir. É preciso acreditar, trabalharmos para encontrarmos soluções e darmos emprego  à juventude. Mas a questão dos empregos para os jovens não é um exclusivo do Estado. Todos nós devemos trabalhar para participar nessa empreitada de todos. O sector  privado também deve ser apoiado, com a capitalização destas empresas.

O senhor faz parte do Comité Central, acha que existe duas alas dentro do Partido, uma Eduardista e outra Lourencista? 

Não existe alas no interior do MPLA. José Eduardo do Santos esteve como Presidente da República durante muitos anos, foi o líder do nosso Partido e todos tivemos que trabalhar com ele. Agora está o Presidente João Lourenço, mas não pode isso significar que as pessoas pertencem a esta ou aquela ala. Após a sucessão na Presidência da República, infelizmente há quem critique outros que queiram trabalhar com o Presidente João Lourenço, só pelo simples facto de antes trabalharem com o Presidente Eduardo dos Santos. Não devemos trabalhar pelos nomes, porque o MPLA é apenas um e indivisível. Temos de ver apenas um MPLA e o seu líder é João Manuel Gonçalves Lourenço. Ele é o Presidente do MPLA e não deve haver pessoas a colocarem uns militantes contra outros, quando todos trabalhamos de acordo com os estatutos do MPLA e nunca trabalhamos a favor de José Eduardo dos Santos. Trabalhamos em prol do Partido e do país.

Acha que o ex-Presidente tem recebido o tratamento que merece?

Acho que está a existir muito aproveitamento desse aspecto. Há coisas que o Governo não falou, mas atribuem ao Presidente João Lourenço. Nunca vi ou ouvi o Presidente João Lourenço falar em público sobre o ex-presidente Eduardo dos Santos. É claro que, se nunca alguém viu, eu também não e todos os demais militantes, de certeza, também não viram. O que acontece em Tribunal são crimes que cabe à justiça investigar. O MPLA é o partido com mais experiência de governação em Angola. Os seus quadros estão altamente qualificados. Há também a questão da disciplina que orienta a actuação dos militantes do Partido. Sendo um Partido-governo, é claro que os seus militantes são mais escrutinados. E, neste caso, a justiça deve ser o ponto de equilíbrio para proteger o nosso maior património: Angola.

O que lhe parece o facto de o ex-PR Eduardo dos Santos ter saído do país e não dizer nada?

O que eu acho é que as pessoas devem deixar de preocupar-se tanto com o antigo Presidente, porque já não está na liderança do Partido, tem a sua vida normal e está fora do país a fazer consultas médicas, pelas informações que tenho. Não nos devemos preocupar com a vida pessoal do antigo Presidente. Estará a descansar e não nos devemos preocupar com ele. Devemos é preocupar-nos em trabalhar para criar condições para as nossas populações.

De que forma encara o compromisso assumido pelo Presidente João Lourenço de combate à corrupção. Acha que esse processo está a ser muito bem levado?

O combate à corrupção existe em qualquer país e o que o nosso país está a fazer não foge à regra e aos desafios do Governo e do nosso Partido. Se estiverem atentos, vão verificar que, em 2016, o próprio Presidente Eduardo dos Santos falou da corrupção. O que posso dizer é que vamos trabalhar em conjunto para ajudar o Governo, para que esse programa de combate à corrupção seja muito bem interpretado.  Agora, o que não pode acontecer é eu estar a responder em Tribunal só porque algum juiz quer aproveitar-se do facto de uma prima ou sobrinho apresentar uma queixa contra o Bento Kangamba. O combate à corrupção tem regras e modelos que deve ser seguido.

Que avaliação faz ao julgamento de Zenu dos Santos?

Ainda não me pronunciei sobre isso, porque o Tribunal deu cinco anos, mas os advogados recorreram. Depois disso, vou apresentar a minha opinião, sobre o que acho de todo este processo. Vou dizer aquilo que acho sobre esse assunto. De todo o modo, eu acredito nas instituições angolanas. Os tribunais são órgãos de soberania e as suas decisões de cumprimento obrigatório.

O que tem a dizer sobre o processo de arresto de bens de Isabel dos Santos?

Já tinha dito há alguns dias que sempre aconselhei as pessoas que estão próximas do Presidente, que casos como estes que envolvem, por exemplo, Isabel de Santos devem ser resolvidos com base no diálogo, para o bem do povo. Se estamos a precisar de dinheiro e de fábricas, deve-se negociar com estas pessoas, para que o dinheiro venha parar ao nosso país. Agora, se estamos a preferir prender as pessoas, para amanhã libertar, não estamos a fazer nada. É preciso negociar para se ultrapassar estes problemas da melhor forma. Considero boa a premissa que diz que é sempre melhor um mau acordo do que uma boa demanda judicial.

Sendo uma pessoa próxima à família do ex-PR, tem passado também estes conselhos à empresária Isabel dos Santos, para uma eventual negociação com o Estado?

Eu aconselho para que se converse porque só se ultrapassa este tipo de conflitos,conversando. Estes problemas não se ultrapassam com faltas de respeito. Tem de haver conversa, para que se crie um mecanismo de bem-estar para todos e acabarmos com estes problemas.

O senhor é ou foi um cabo eleitoral do MPLA fundamental em 2008 e teve um grande protagonismo na mobilização de militantes nas eleições de 2012. Com a saída de José Eduardo dos Santos da presidência, qual tem sido a sua ligação com o Presidente João Lourenço?

A minha ligação é com o Partido e nunca com A ou B. Não lido com nomes, mas com o Partido em que milito e para o qual vivo. É claro que esperava ver mais, mas não faço parte de alas. Integrei a equipa que andou com o presidente Eduardo dos Santos em 2008 e 2012. Nós, os políticos, somos como tropas, cumprimos missões. Fazemos isso e damo-nos muito bem. Em 2012 fomos chamados e andei com o antigo Presidente a todas as províncias.  Recordo-me, nessa altura, de ter recebido um elogio público do Presidente Eduardo dos Santos, pelo meu trabalho junto dos militantes nas lundas Norte e Sul.

Esperava ser mais reconhecido pela actual liderança do MPLA?

Cada coisa ao seu tempo. Penso que cheguei e cumprir com a missão que me foi incumbida na altura pelo Presidente do MPLA, de contactar os jovens nas Lundas e ver os problemas que havia nas áreas diamantíferas onde as polícias não deixavam entrar o pessoal e as empresas cobravam dinheiro para que as pessoas entrassem nas áreas de diamantes. Trabalhámos nisso durante duas semanas e fizemos tudo para que reinasse o clima de paz entre os garimpeiros. Houve festa em Saurimo. Melhorámos na aquela questão que afligia os jovens de Saurimo. Recordo-me de ter feito um bom trabalho igualmente no Moxico, Huambo, Benguela, Cuando Cubango e Malanje. Fruto desse trabalho, ganhámos muitos votos nestas províncias.  A direcção do Partido reconheceu que tínhamos feito um grande trabalho. Em 2017, fui consultado pelo próprio candidato João Lourenço, que me orientou para permanecer em Luanda. Não acompanhei a caravana às províncias, mas acredito que se fossemos, teríamos encontrado outras soluções e não perdíamos nenhum deputado nestas províncias.

Por tudo quanto fez em prol do Partido, sente que está a ser posto de lado?

De maneira alguma. O que se passa é que as pessoas estão acostumadas a ver o Bento Kangamba no centro de algumas actividades do Partido. A verdade é que o Presidente João Lourenço tem a sua equipa. É como uma equipa de futebol, quem decide é o treinador. Se hoje estou numa posição de suplente não posso lutar com o treinador, mas devo trabalhar e aguardar para que seja chamado novamente à equipa. Tudo depende do Presidente de direcção do Partido. A direcção do MPLA, se calhar, pode ver o Bento Kangamba como uma pessoa que deve estar na reforma. Não sei. Vamos continuar a fazer o nosso trabalho em prol do Partido.

Mas, acha que o Partido devia aproveita-lo melhor?

Não podemos falar em injustiça, porque nada tem a ver. Falo na forma como está montada actualmente a equipa no MPLA e que não pode estar o Bento Kangamba. Tenho de me conformar com isso, mas quando houver a altura de aparecer estarei disponível para servir o meu Partido.

Qual é a ambição de Bento Kangamba no próximo Comité Central do MPLA?

Acho que o meu tempo já passou e, se tivesse de contar com o Bureau Político, seria em 2016. Já estive na propostas para ser membro do Bureau Político e não fiquei, mas não deixo de ser membro do MPLA. Não tenho uma meta maior do que isso e nunca pensei em atingir, por exemplo a liderança do MPLA, ou ser secretário-geral ou vice-presidente do Partido. Se um dia, o presidente do MPLA me quisesse ver no Bureau Político do Partido, por aquilo que faço, já estaria lá. Mas é o Presidente do Partido que forma o Bureau Político e ele entendeu formar o seu Bureau Politico sem o Bento Kangamba e temos de respeitar.

Ainda assim, não perde a esperança?

Também a amanhã o Presidente pode tirar alguém e entrar eu, quem sabe. Isso é como no futebol, repito. Aliás, aquilo que posso afirmar é que não me preocupa discutir a minha entrada no Bureau Político do Partido e, quando tiver de acontecer vai acontecer, porque o Presidente do MPLA tem estratégia e sabe o que está a fazer. Se calhar pode querer recorrer aos meus préstimos mais tarde e não podemos achar que não nos gosta de mim. A minha relação com o Presidente João Lourenço e com a vice-presidente do Partido é muito boa. Esperamos bons dias.

Qual é a sua ambição política para os próximos quatro anos?

É ser um grande militante do MPLA e deixar um bom legado aos meus filhos e netos. Alegra-me que eles saibam que fiz tudo com muito sacrifico. Mas, não pensem que o Kangamba tem ambição de chegar a Presidente do MPLA, secretário-geral ou Vice-Presidente do Partido. O Presidente João Lourenço é um grande militante e excelente líder, conhece-nos muito bem e vamos continuar a ajudar o Partido e o país.

Se tivesse que deixar um conselho ao Presidente da República, sobre a situação política que o país atravessa,  qual seria?

O meu conselho ao Presidente João Lourenço é que continue a unir o país e a sua equipa de trabalho, para chegarmos onde queremos chegar. Vamos chegar ao objectivo, mas é preciso unir o país, as pessoas, para fazermos uma grande equipa. O MPLA ganhou as suas bases e fortificou-as através de uma união a volta de um slogan que diz: de Cabinda ao Cunene, o MPLA é o povo, e é por este caminho que temos de seguir. Não é só do MPLA aquele que usa gravata, fala bom português e faz consulta nas clínicas A e B. Para chegarmos lá, temos que nos unir e amar bem o Partido, a bandeira do partido, como amamos a nós próprios. Quando formos capazes de fazer isso, vamos chegar lá.

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