Quantas pessoas são necessárias para derrubar uma ditadura (de acordo com a ciência)

A luta dos sindicatos agrupados na federação sindical Solidariedade na Polônia na década de 1980, o movimento anti-apartheid na África do Sul, a derrubada do presidente sérvio Slobodan Milosevic; a Revolução de Jasmim que forçou a saída do presidente tunisiano Zine al-Abidine Ben Ali e desencadeou a Primavera Árabe…

Todos esses são exemplos de movimentos populares que culminaram em mudanças políticas substanciais.

E o último a ganhar as atenções de todo mundo aconteceu em Belarus, onde dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas nas últimas semanas após uma eleição polêmica em que o presidente Alexander Lukashenko alegou vitória.

Apesar disso, no entanto, o movimento vem sendo predominantemente pacífico.

Lições da história

Uma boa maneira de avaliar isso é olhando para a história.

Foi o que a cientista política de Harvard Erica Chenoweth fez.

Ela concentrou seu trabalho principalmente em protestos contra ditaduras, não democracias.

Ao contrário dos democratas, os ditadores não podem ser removidos pelo voto popular. Em uma democracia, se uma política é impopular, outros políticos podem ser eleitos com a promessa de aboli-la. Não existe tal mecanismo em uma ditadura.

Essas definições, entretanto, são frequentemente questionadas. Onde fica a fronteira entre democracia e ditadura? Muitas vezes, não existe um limite definido: um sistema político pode ser mais ou menos democrático.

E também há o problema de como a violência e a não-violência são classificadas.

Os ataques à propriedade devem ser considerados “violentos”? E quanto às pessoas que gritam insultos racistas, mas sem agressão física? E quanto aos atos de auto-sacrifício, como autoimolação ou greves de fome? Eles são violentos?

As vantagens da nãoviolência

Apesar dessas dificuldades de categorização, existem algumas formas de protesto que são claramente não violentas e outras que são claramente violentas.

O assassinato é claramente violento. Manifestações pacíficas, petições, cartazes, greves e boicotes, manifestações e greves não são violentas.

Na verdade, de acordo com uma classificação conhecida, existem 198 formas de protesto não-violento.

E analisando cada movimento de protesto para o qual havia dados suficientes, de 1900 a 2006, Erica Chenoweth e sua colega, Maria Stephan, concluíram que um movimento tinha duas vezes mais chances de sucesso se não fosse violento.

A próxima pergunta é: por quê?

A resposta parece ser que a violência reduz a base de apoio de um movimento, enquanto muito mais pessoas se unem ativamente a protestos não violentos.

A não violência geralmente é de menor risco, requer menos capacidade física e nenhum treinamento avançado.

E geralmente leva menos tempo também.

Por todas essas razões, os movimentos não violentos têm maiores taxas de participação de mulheres, crianças, idosos e pessoas com deficiência.

Mas por que isso importa?

Para entender isso, tome-se como exemplo a chamada Revolução Bulldozer contra Slobodan Milosevic. Quando os soldados foram entrevistados sobre por que nunca apontaram suas armas para os manifestantes, eles explicaram que conheciam alguns deles. Eles estavam relutantes em atirar em uma multidão que incluía seus primos, amigos ou vizinhos.

3,5%

Obviamente, quanto maior o movimento, mais provável é que membros da polícia e das forças de segurança conheçam alguns de seus participantes.

E Erica Chenoweth deu um número muito preciso de quão grande uma manifestação deve ser antes que seu sucesso seja quase inevitável — esse número é 3,5% da população.

Pode parecer um número pequeno, mas não é.

A população de Belarus, por exemplo, é de pouco mais de 9 milhões de pessoas. Sendo assim, 3,5% são mais de 300 mil. E estima-se que as grandes manifestações na capital, Minsk, envolveram dezenas de milhares, talvez até 100 mil (embora estimativas tenham calculado esse número em 200 mil).

A regra de 3,5% também não é rígida.

Muitos movimentos têm sucesso com taxas de participação mais baixas do que isso, e um ou dois fracassam, apesar do apoio das massas: o levante do Bahrein de 2011 é um exemplo citado por Chenoweth.

Menos efetivo

Os dados com os quais Chenoweth se debruçou vão até 2006, mas ela acaba de concluir um novo estudo examinando os movimentos de protesto mais recentes.

E embora suas últimas descobertas geralmente apoiem as primeiras pesquisas, que mostram que a não-violência é mais eficaz do que a violência, ela também identificou duas novas tendências interessantes.

A primeira é que a resistência não-violenta se tornou de longe o método de luta mais comum em todo o mundo, muito mais do que a insurreição armada ou a luta armada.

Na verdade, entre 2010 e 2019 houve mais levantes não-violentos no mundo do que em qualquer outra década da história registrada.

A segunda tendência é que a taxa de sucesso dos protestos tenha diminuído.

Ela caiu drasticamente quando se trata de movimentos violentos: atualmente, cerca de nove em cada dez movimentos violentos fracassam, diz Chenoweth.

Mas o protesto não-violento também tem menos sucesso do que antes.

Antes, cerca de uma em duas campanhas não-violentas era bem-sucedida; agora é cerca de um em cada três.

Embora, é claro, também tenha havido alguns êxitos desde 2006.

Por exemplo, o presidente sudanês Omar al-Bashir foi deposto em 2019. E algumas semanas depois, a agitação popular forçou o presidente argelino, Abdelaziz Bouteflika, a renunciar.

Mas essas saídas são cada vez mais raras.

Por quê? Bem, pode haver muitas explicações, mas uma parece ser o impacto de dois gumes das redes sociais e da revolução digital.

Por alguns anos, parecia que a internet e o surgimento das mídias sociais haviam fornecido aos organizadores de protestos uma nova ferramenta poderosa, facilitando a transmissão de informações de todos os tipos: por exemplo, onde e quando se reunir para a próxima marcha.

Mas regimes despóticos agora encontraram maneiras de virar essa arma de cabeça para baixo e usá-la contra seus oponentes.

“A organização digital é muito vulnerável à vigilância e infiltração”, diz Chenoweth.

E os governos também podem usar as redes sociais para fazer propaganda e espalhar desinformação.

O que nos leva de volta a Belarus, onde os telefones dos manifestantes detidos são rotineiramente rastreados para ver se eles seguem os canais da oposição no aplicativo de mensagens Telegram.

Quando as pessoas que dirigiam esses canais foram presas, o Telegram rapidamente encerrou suas contas na esperança de fazê-lo antes que a polícia pudesse verificar a lista de seguidores.

O presidente Alexander Lukashenko permanecerá no cargo? Será que ele realmente sobreviverá agora que está tão claro que existe uma oposição generalizada ao seu governo?

Talvez não. Mas se a história serve de guia, é muito cedo para descartar essa possibilidade.

David Edmonds/BBC

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