Um relatório interno da Procuradoria-Geral da República (PGR), remetido há dias para o conhecimento do Presidente da República, dá conta de que o juiz-presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo, terá de devolver ao Estado angolano mais de 400 milhões de kwanzas, que foram por si descaminhados entre o período de 2021 e 2022.
Datado de 30 de Março, o relatório de carácter confidencial, é uma espécie de resumo do Processo NUP 9240/2023 DNIAP, que investiga Joel Leonardo, pela alegada prática de pelo menos quatros crimes (abuso de confiança, peculato, abuso de poder e associação criminosa).
O documento detalha como o presidente do Tribunal Supremo realizou transferências indevidas a partir de uma conta do Tribunal Supremo domiciliada no Banco de Comércio e Indústria (BCI), para pagamentos a empresas de membros da sua família e inclusive como transferiu 21 milhões de kwanzas para a sua conta pessoal (IBAN AO06 0010 0401 0031 9172 0117 5) no Banco de Poupança e Crédito (BPC).
No total, Joel Leonardo descaminhou 400 milhões de kwanzas a partir de uma conta do Tribunal Supremo assinada por três pessoas: por ele próprio, pela directora das Finanças, Fátima Mendes Ferreira, e por uma sobrinha, Irina Gomes Martins Apolinário.
Os 400 milhões de kwanzas foram transferidos em quatro operações, a saber: (1.ª) 267 milhões desviados do Tesouro num período de três meses; (2.ª) 122 milhões de kwanzas para empresas de membros da sua família; (3.ª) 30 milhões de kwanzas de um segundo salário que se atribuiu ilicitamente durante seis meses; (4.ª) 2 milhões e 862 mil kwanzas para pagamentos irregulares da taxa no condomínio Vila Mar.
SOMATÓRIO DAS VERBAS DESVIADAS
1. DESCAMINHO DE 21 MILHÕES DE KWANZAS
– No dia 2 de Fevereiro de 2022, Joel Leonardo, na qualidade de presidente do Conselho Superior da Magistratura Superior (CSMJ), deliberou, através da resolução (2/2022), uma comissão de gestão e instalação do Cofre Geral dos Tribunais (CGT), nomeando, para o efeito, o seu primo Salomão Raimundo Kulanda como coordenador desta estrutura. Em condições normais, o CGT deveria ser formalmente criado por decreto legislativo, assinado pelo Presidente da República, e depois aguardar pela aprovação do Parlamento para a sua entrada em funcionamento.
Neste caso, Joel Leonardo usurpou o poder do Presidente da República, criando o CGT e, de forma ilegal, pôs em funcionamento o referido organismo do qual se auto-proclamou presidente do Conselho de Administração (PCA).
Entre 31 de Dezembro de 2021 e 9 de Junho de 2022, Joel Leonardo transferiu, durante todos esses meses, a partir de uma das subcontas com n.º 1139557/10/005, domiciliada no BCI, a quantia de 3 milhões de kwanzas para a sua conta pessoal no BPC (IBAN AO06 0010 0401 0031 9172 0117 5), alegando ser o seu salário como futuro PCA do CGT.
Joel Leonardo deixou de receber este ‘salário fantasma’ após ser alertado pelo ofício 31/08/CGT/2022 de que as transferências eram indevidas e sem qualquer fundamentação lícita.
Entretanto, para além desta quantia, o juiz Joel Leonardo transferiu também, durante o mesmo período, a quantia de 9 milhões de kwanzas (1 500 000 mês) para a conta do seu primo Isidro Coutinho, alegando serem salários como coordenador do CGT.
No total, o presidente do Supremo descaminhou 30 milhões de kwanzas. Fontes conhecedoras do tema disseram ao Club-K que Joel Leonardo terá de devolver estes valores, uma vez que, com isso, praticou o crime de peculato e o de enriquecimento ilícito, nos termos do artigo 37.º, da Lei da Probidade Pública.
2. 122 MILHÕES DE KWANZAS PARA EMPRESAS DA FAMÍLIA
– Joel Leonardo orientou pagamentos no total de 122 milhões de kwanzas a empresas ligadas aos seus familiares (filho, esposa e primos), que terão simulado prestação de serviços de jardinagens, limpeza nos vários tribunais de Luanda.
Por exemplo: (a) Foram pagos 42 514 510, 00kz (quarenta e dois milhões, quinhentos e catorze mil e quinhentos e dez kwanzas) à empresa IMPORLAB, detida pelo seu sobrinho Silvano António;
(b) Foram pagos 16 944 000, 00 kz (dezasseis milhões, noventos e quarenta e quatro mil kwanzas) à empresa ULONGUIÇO, controlada por Irina Apolinário, esposa de João Apolinário, sobrinho de Joel Leonardo;
(c) Foram realizados pagamentos na ordem dos 45 000 000 (quarenta e cinco milhões de kwanzas) a favor da empresa de mobílias TELLTEX, concertada pelo primo de Joel Leonardo, Isidro Coutinho;
(d) Pagamento de 17 973 934,00 (dezassete milhões, novecentos e setenta e três mil e novecentos e trinta e quatro kwanzas) a favor da empresa RESISTEC, de comidas take away, legalizada em nome de Rui Miguel Salombongo da Gama Afonso e de Fernando Francisco Pereira. O primeiro é familiar do assessor de Joel Leonardo, Carlos Salombongo. Ao fazer estes pagamentos ou contratos, Joel Leonardo terá cometido crimes peculato, abuso de confiança e de enriquecimento sem causa.
3. DESCAMINHO DE 270 MILHÕES DESVIADOS DO TESOURO
– No seguimento da implementação do Cofre Geral dos Tribunais, o juiz Joel Leonardo fez sair um ofício Circular N.º 10/CI/CGT.CSMJ/2022, através do qual ordenou a distribuição das receitas arrecadadas (por todas as comarcas) para uma conta bancária n.º 1139557/10/002, IBAN AO06 0005 0000 0113 9557 1029 4, titulada pelo Tribunal Supremo no BCI.
No mesmo documento, determinou que daquela data em diante fossem feitas, na referida conta do BCI, as transferências dos valores referentes aos 20% das receitas de arrecadação destinadas ao Estado e 40% das receitas destinadas ao Cofre Geral dos Tribunais, que ainda não foi aprovado pela Assembleia Nacional.
Com esta orientação, Joel Leonardo apropriou-se indevidamente das receitas que seriam para a Conta Única do Tesouro (CUT) do Estado, referentes aos meses de Abril, Maio, Junho, Julho de 2022, que, no total, perfazem um montante de 267 279 303, 78 kz (duzentos e sessenta e sete milhões, duzentos e setenta e nove mil, trezentos e três kwanzas e setenta e oito cêntimos). Com esta operação, o presidente do Supremo praticou o crime de peculato (art.º 362 do Código Penal).
4. PAGAMENTOS DE 2,8 KZ MILHÕES DE TAXA DE CONDOMÍNIO
– O Presidente do Supremo Joel Leonardo ordenou o pagamento de transferências irregulares que se totalizaram em 2 862 000, 00 para pagamento de taxa mensal do condomínio Vila Mar, onde vive o Juiz conselheiro Daniel Modesto Geraldo e o seu primo juiz de direito Isidro Coutinho.
Os moradores do referido condomínio pagam de taxa a quantia de 90 mil kwanzas mês. Joel Leonardo pagou uma taxa de 1 000 000, 00kz (um milhão de kwanzas) por mês, que se suspeita tratar-se de uma sobrefacturação.
Segundo apurou o Club-K, a PGR considera que, embora Joel Leonardo deva devolver os 400 milhões de kwanzas, esta quantia poderá aumentar, visto que prosseguem as diligências.
Existe, entretanto, a possibilidade de virem a ser incluídos mais pagamentos, como as despesas de 28 milhões de kwanzas, utilizados por Joel Leonardo na simulação da compra de aparelhos de condicionado; 18 milhões de kwanzas utilizados para a compra de indumentárias destinados aos seus escoltas, bem como outros relacionados com a compra de fechaduras, negócios de fornecimento de viaturas, e etc.
O assunto foi remetido para o conhecimento do Chefe de Estado, João Lourenço, uma vez que juiz Joel Leonardo poderá vir a ser constituído arguido a qualquer momento.