A divulgação Índice de Liberdade de Imprensa elaborado pela organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), principal referência internacional no tema, é avaliado em meios políticos e diplomáticos de Luanda como um novo sinal da rápida degradação da imagem do PR João Lourenço (JL).
Na mais recente edição do ranking, Angola caiu 26 lugares, de 99º em 2022 para 125º, numa lista de180 países analisados. Principais factores apontados para o declínio:
– O Estado é preponderante em todo o sector e apenas duas estações de rádio independentes (Ecclesia e MFM) sobrevivem; duas estações de TV(Zimbo e Palanca) passaram para o controlo do Estado nos últimos anos; na imprensa, restam apenas quatro títulos, das dezenas que o país chegou a ter;
– Após uma fase de maior abertura aquando da sua eleição, JL passou a ser restritivo nos seus contactos com a imprensa, agora mais controlados;
– Os custos exorbitantes das licenças dos media são uma barreira à pluralidade no sector;
– Os autores de artigos negativos para o regime são frequentemente perseguidos. Além da queda de Angola no índice, são avaliadas como negativas para JL, e para o MPLA em geral, as circunstâncias particulares em que o mesmo foi divulgado, no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Uma publicação de JL nas redes sociais alusiva ao dia, afirmando que o poder da comunicação social no combate à corrupção e à impunidade é “um caminho sem retorno”, foi feita enquanto circulavam os dados relativos à queda do país no índice, tornando a afirmação alvo de ridículo público.
Mesmo não reflectindo algumas evoluções recentes apontadas como graves no sector, os dados do índice são avaliados como prejudiciais para JL a vários níveis, nomeadamente:
– A nível interno, dentro do partido, demonstrando que continua a degradar-se a imagem externa de JL, cujo pendor inicial positivo constituía um factor de prestígio entre a população;
– A nível interno, comprometendo ainda mais a sua afirmação política junto de sectores sociais empenhados em reformas no sentido de uma maior democratização e abertura no país, na sua maioria hoje descrentes dos reais propósitos de JL;
– Externamente, sobretudo emmeios ocidentais, como confirmação de que o comprometimento de JL coma democratização do país serviu apenas propósitos específicos na fase inicial da sua afirmação no poder;
– Externamente, como factor de preocupação quanto a uma possível deriva autoritária em curso e que a mesma possa levar a um fortalecimento de laços com regimes autoritários (China, Rússia, Médio Oriente).
Apolítica do regime para a comunicação social tem vindo a ser sujeita a “reorientações” que meios devidamente habilitados consideram destinadas a atingir fins considerados próprios de uma cultura demais apertado controlo da imprensa. Entre os referidos fins avultam os seguintes:
– Expandir o alcance público do sector da comunicação social sob sua alçada (governo e partido); velar pela compatibilidade dos seus conteúdos com os seus interesses políticos.
– Reduzir a influência dos órgãos privados e/ou informais, em especial os instalados em plataformas online, em geral considerados adversos.
Uma nova estação de televisão, Girassol, consabidamente ligada ao MPLA, entrou em funcionamento no final de 2022, aproveitando para tal estruturas da ZAP. Apresentada como parte de uma rede que inclui uma rádio, portal de notícias e redes sociais. A TV Zimbo tem vindo a afastar-se da linha de relativa independência editorial que a identificou até o grupo de que fazia parte, Media Nova, ter passado para o controlo do governo.
O sector privado, também conhecido por independente, é alvo de pressões do regime aparentemente calculadas para os levar à exaustão e/ou à auto-desistência – objectivo considerado facilitado pela crónica penúria financeira de todos os seus órgãos. Os chamados projectos televisivos (Camunda News, p.ex),são os órgãos mais visados. As referidas pressões incluem medidas burocráticas ou administrativas e acções encobertas, conduzidas por órgãos do aparelho de segurança, SINSE em particular, articulados como “centro de decisão da tarefa”(AM 1381).
O Sindicato dos Jornalistas de Angola (SJA) foi recentemente alvo de dois assaltos sucessivos, levados a cabo como emprego de “técnicas apuradas”. Dadas assuas características particulares, a ocorrência foi geralmente vista como destinando-se a intimidar os jornalistas não alinhados com o regime. Ao SJA é geralmente reconhecida uma atitude de independência institucional–reputação em larga escala devida ao perfil profissional de todos os que o dirigiram.
Entre os jornalistas, têm vindo a crescer as queixas de actos de intimidações, ameaças, assaltos em residências e perseguições relacionadas com o exercício da actividade. Vários jornalistas têm sido impedidos de cobrir actividades públicas, nomeadamente manifestações. Os baixos salários da profissão alimentam o receio de perda do emprego e autocensura. Da situação actual fazem ainda parte realidades como a marginalização ou mesmo a ignorância a que são votadas organizações de existência legal, mas mal toleradas pelo governo. A oposição partidária é sistematicamente discriminada e os sindicatos, quando protagonistas de ações reivindicativas, ignorados pela comunicação social pública.
Exemplo da instrumentalização da comunicação social foi registado na tentativa de afastamento de Adalberto da Costa Júnior (ACJ) da liderança da UNITA (AM 1372). A tentativa foi frustrada e, entre detractores de JL dentro do MPLA, foi vista como um “erro político”.
A “linha dura” pela qual se infere que JL vem enveredando em razão dos “desvios” identificados nas suas políticas iniciais de abertura (AM 1391), é geralmente considerada consequência do estado de isolamento interno em que o próprio está ciente de que se encontra e de cujas consequências negativas se quer precaver de modo a garantir a sua sobrevivência política (AM 1393).
O facto de JL não ter gostado de uma reportagem exibida na TPA sobre combate à corrupção terá sido o principal motivo que levou ao afastamento do canal de José Fernandes Guerreiro (JFG), “histórico” intelectual do MPLA, em OUT.2018, segundo relata o próprio novo livro de memórias. JFG havia assumido o cargo apenas11 meses antes.
Terá sido o próprio ex-ministro da Comunicação Social, João de Melo (JM), a informar JFG de que JL dera instruções específicas para a exoneração, pois estaria descontente com uma reportagem exibida no dia anterior sobre o combate à corrupção. JM viria a abandonar o cargo de ministro em OUT.2020.
No livro, JFG aponta que a TPA “nunca teve vida própria nem autonomia”, por ser dirigida pelo MPLA desde a independência, e critica o partido por “uma tradição de intolerância”, apontando os vários períodos “sangrentos”, desde a década 1960, quando Agostinho Neto (AN) substituiu Mário Pinto de Andrade na presidência do então movimento.