Representantes do Grupo Carrinho ameaçam processar jornalistas que associarem o nome de João Lourenço ao grupo

A história do Grupo Carrinho é curiosa: trata-se de uma empresa de raiz familiar, sedeada na província de Benguela, pertencente a Leonor Lusitano Candundo Carrinho e aos seus filhos Nelson Fidel, Rui Alves e Elsa Violeta. Tudo terá começado com um barzinho, na cidade do Lobito, onde a Dona Leonor – uma angolana com bom faro para o negócio – vendia refrescos e refeições.

Mas de repente, e sobretudo nestes últimos anos, o barzinho transformou-se num verdadeiro império na área agroalimentar, com 17 fábricas de processamento de arroz, trigo, milho e várias unidades de refinação de óleos alimentares.

Em pouco tempo, o Grupo Carrinho construiu a maior estrutura de armazenamento de Angola com uma capacidade de 100 mil toneladas de cereais e 55 mil metros cúbicos de tanques de armazenamento de produtos oleaginosos.

Qual o segredo do êxito do Grupo Carrinho?

O administrador da Carrinho Indústria, o português Dércio Catarro, que tem também assento no Conselho de Administração da holding, frisa que o grupo cresceu por mérito próprio.

“O segredo é, acima de tudo, muita paixão”, disse Dércio Catarro em entrevista exclusiva à DW. “Este projeto é liderado por dois irmãos – Nelson e Rui Carrinho, o presidente e o vice-presidente da empresa – e depois todos esses CEOs, no qual estou incluído, com muita paixão pelo desenvolvimento e por pôr Angola no mapa, como país que consegue fazer a verticalização completa e ser autossuficiente na sua produção alimentar”.

Mas muitos observadores duvidam da história. A narrativa, de que tudo começou com uma barraquinha de refrescos e petiscos, no Lobito, é apenas meia-verdade, afirma o jurista Rui Verde, que é também professor no Centro de Estudos Africanos na Universidade de Oxford e editor legal do portal Maka Angola, fundado pelo jornalista Rafael Marques.

Segundo Rui Verde, no passado, o Grupo Carrinho foi uma “espécie de aposta dos oligarcas angolanos”.

“Não há novidade quanto a isso. Obviamente que foi uma criação das pessoas do costume. Não é uma criação da iniciativa privada. Neste momento, é uma empresa de bandeira de Angola, quanto a isso não há dúvidas”, comenta.

Negócios que interessam a João Lourenço?

O jornalista José Gama, diretor do portal de notícias Club-K, tenta há vários anos entender os segredos da expansão do Grupo Carrinho. Segundo ele, o êxito deve-se, sobretudo, ao facto de a empresa ter conseguido fechar chorudos contratos de fornecimento exclusivos a grandes empresas como a petrolífera Sonangol, a Empresa Nacional de Eletricidade (ENE), as brasileiras Odebrecht e Camargo Corrêa, e até a Polícia Nacional e as Forças Armadas de Angola. Negócios que seriam do pleno interesse do chefe de Estado, João Lourenço.

“O interesse era político, porque as Forças Armadas passaram a receber os seus produtos produzidos localmente, saindo das mãos de empresas estrangeiras, nomeadamente libanesas. Daí a atração que o Presidente João Lourenço sentiu por este grupo”, afirma o jornalista.

O acesso a linhas de crédito de milhões de euros – sobretudo do banco alemão Deutsche Bank – para as quais foram sempre necessárias garantias soberanas do Governo angolano, nomeadamente através do Banco de Banco de Desenvolvimento de Angola (BDA), terá sido um outro importante fator que contribuiu para o êxito do Grupo Carrinho.

Recentemente, o grupo recebeu o financiamento de 57 milhões de euros do Deutsche Bank para a construção de fábricas de processamento de girassol e soja em Angola.

O CEO da Carrinho Indústria, Dércio Catarro, insiste: “Este crédito é fruto do trabalho e da competência da empresa e não do beneficiamento por parte do Governo”.

Garantia soberana para conseguir linha de crédito

Falando à DW a partir da cidade alemã de Düsseldorf, o administrador da Carrinho Indústria esclarece que o que o grupo recebeu do banco alemão foi uma linha de créditos aberta a todas as empresas angolanas. Dércio Catarro salienta que o grupo preparou, durante dois anos, todos os requisitos solicitados pelo Deutsche Bank.

“Não há ninguém que empreste nada a ninguém. Há uma linha de crédito do Deutsche Bank para com Angola desde há anos e que nunca foi usada, porque as empresas nunca tiveram a possibilidade de ter todos os requisitos para que essa linha de crédito fosse acionada”, esclarece Dércio Catarro. “No final, o que teríamos que ter era uma garantia da parte do Governo angolano, uma garantia soberana, que pudesse garantir que esse projeto fosse avante.”

Será que as boas ligações com as entidades estatais que organizam o processo de privatização de empresas públicas em Angola contribuirão para que o Grupo Carrinho se coloque na corrida pelo controlo das firmas mais “apetecíveis”? Ao grupo já terá sido entregue a gestão do Banco de Comércio e Indústria (BCI).

Dércio Catarro responde: “Desde que seja uma empresa que se integre no core business [do grupo] ou alguma coisa que tenha um valor acrescentado para esse core business, nós pensamos sempre nessa lógica.”

Mão invisível do PR?

O jurista Rui Verde salienta a ligação do Presidente João Lourenço ao Grupo Carrinho: “Foi o próprio Presidente” quem inaugurou pessoalmente, em novembro de 2019, a primeira fase de um enorme parque industrial do grupo em Benguela. Tudo isso terá provocado boatos nas redes sociais, que dizem que João Lourenço terá “ligações opacas e pessoais” à empresa. Acusações que o grupo repudia veementemente.

“O Presidente João Lourenço foi quem inaugurou, em 2019, a primeira fase do nosso parque industrial. Eventualmente, é essa ligação que leva a que, em Angola, aquilo que está a ser feito pelo Grupo Carrinho seja muito [associado] ao Presidente João Lourenço”, afirma Dércio Catarro. “Mas podem dizer o que quiserem, aquilo que o Grupo Carrinho fez está à vista: Não tem nada a ver com o Presidente de Angola.”

Em tom de ameaça, os representantes da Carrinho afirmaram que “qualquer ligação ao Presidente da República, como têm feito alguns jornalistas da oposição, é pura má-fé e constitui a mais abjeta difamação, que devia originar os competentes processos criminais”.

O jurista Rui Verde insiste: A Carrinho é, com alguma razão, considerada uma “empresa do regime”. Mas não será a única.

O problema, na opinião do analista, é que há “uma estrutura de mercado em Angola ainda oligopolista”, com poucos atores que “beneficiam das suas relações privilegiadas com o Estado. Não é só a Carrinho. Todos os grandes grupos em Angola querem esse benefício.”

Fonte: DW

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