Um dos efeitos da desvalorização do kwanza face ao dólar é a queda de Angola no ranking dos salários mínimos da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral. Para repor o poder de compra a níveis de 2017, quando o salário mínimo era de 16.503 Kz, os mínimos da agricultura teriam de subir para 48.434 Kz.
A desvalorização em quase 40% do kwanza face ao dólar este ano atirou o salário mínimo de Angola para a cauda da SADC, já que os 32.181 Kz instituídos como salário mínimo para o sector da agricultura equivalem, hoje, a 39 USD, longe dos 63,8 USD que valiam quando foi ajustado em Fevereiro de 2022.
Com o aumento em 2022 da remuneração mínima nacional nos privados, o salário de um trabalhador do sector da agricultura passou para 32.181 Kz, o dos transportes, serviços e indústria transformadora para 40.226 Kz e o dos trabalhadores do comércio e indústria extractiva para 48.272 Kz. À taxa média de câmbio do BNA desta segunda-feira, estes salários mínimos equivalem hoje a 39 USD, 49 USD e 58,5 USD, respectivamente.
Assim, pior que Angola nos países que compõem a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) só mesmo Eswatini (22,1 USD), Malawi (34,3 USD) e Lesoto (38,1 USD). Isto, se apenas for contemplado o salário mínimo da agricultura, que é o sector que em Angola emprega mais pessoas, equivalente no final do ano passado a 52% da população empregada, (5.941.131 de habitantes), entre o sector formal e o informal, de acordo com dados do INE.
Apesar de ser um valor muito baixo face a outros países da SADC, em alguns casos o salário mínimo angolano, fixado através do Decreto Presidencial n.º 54/22 de 17 de Fevereiro, até poderá ser inferior. Isto porque o mesmo decreto, no artigo 3.º, prevê a possibilidade de redução do salário mínimo. “As empresas do sector da agricultura e da indústria transformadora podem estabelecer salários abaixo do salário mínimo nacional, desde que comprovem documentalmente a impossibilidade de efectuarem o pagamento dos valores fixados por lei”, refere o número 1 do artigo 3.º. No entanto, essa redução do valor requer autorização do titular do departamento ministerial responsável pelo sector em causa.
Nesta altura em que se verificou uma forte depreciação do kwanza face ao dólar, os preços dos bens de consumo dispararam, nalguns casos duplicando o valor em apenas quatro meses, o que já legou os principais sindicatos a exigir o aumento do salário mínimo nacional para 245 mil Kz, cerca de 300 USD. Estas exigências fazem parte de um caderno reinvindicativo assinado pelas três centrais sindicais nacionais, preocupadas com o aumento do custo de vida das famílias e, consequente, perda de poder de compra.
E essa perda de poder de compra não é de agora. Para se ter uma ideia, desde que João Lourenço tomou as rédeas do poder, em 2017, os preços subiram quase 200%, ou seja, triplicaram. Para se manter o salário mínimo nos níveis de 2017, que era de 16.503 Kz, este teria de subir hoje para 48.434 Kz. Agora, se se recuar até ao início do actual período de crise, em 2014, face a esse período os preços já subiram quase 450% e seria necessário hoje estabelecer um salário mínimo de 82.207 Kz para apenas repor o poder de compra.
Estes cálculos são baseados com as taxas de inflação medidas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), taxas essas que, ainda assim, são bastante contestadas por especialistas já que, por exemplo, entre Maio e Agosto, segundo os dados do instituto, os preços apenas subiram cerca de 4%, quando claramente há indicadores atestam que nalguns casos os preços duplicaram e até triplicaram, seja nos mercados informais seja formais. Isto devido à elevada desvalorização cambial no período (quase 40% face ao dólar) bem como ao aumento dos preços da gasolina.
Fonte: Expansão