O contrato que permitiu aos accionistas fundadores da Unitel S.A adquirirem as acções da empresa que mais tarde passou a designar-se Unitel International Holdings BV (UIH) — com a qual o Estado angolano mantém um diferendo com a empresária Isabel dos Santos — foi, ‘afinal’, assinado pelo ex-presidente do Conselho de Administração da Sonangol Manuel Vicente, apurou este portal.
A referida sociedade comercial — que está hoje no epicentro do polémico e mediático processo cível intentado pelo Estado angolano contra a empresária Isabel dos Santos num tribunal de Londres — contraiu dois empréstimos à Unitel, S.A., na ordem dos mais de 360 milhões de dólares americanos, que estão no centro de uma contenta judicial, com acusações recorrentemente evocadas de parte a parte na imprensa.
A empresária angolana, que viu na quarta-feira, 21, um juiz britânico do Tribunal Comercial de Londres a atender a providência cautelar para congelamento das contas da Unitel International Holdings BV, tem-se queixado de “perseguição política” por parte do governo angolano, ao passo que este último acusa-a de ter decidido “sozinha” a concessão dos dois empréstimos com os quais a empresa adquirida pelos accionistas fundadores da Unitel, S.A conseguiu as participações em sociedades comerciais internacionais estratégicas ligadas ao ramo das telecomunicações.
Como se chegou a isso? Esta pergunta deve ser respondida apenas no início do ano de 2024, quando, no Tribunal Comercial de Londres, na Inglaterra, as partes forem ouvidas durante o julgamento da acção principal relacionada com o processo cível que opõe a empresária angolana e a Unitel, S.A (que tem o Estado angolano como accionista, após a nacionalização da mesma).
Como e quando tudo começou
Em 2010, os accionistas fundadores da Unitel S.A., com destaque para a Mercury (do grupo Sonangol), a Geni, S.A e a Vidatel aprovaram, em Assembleia Geral, um plano de internacionalização para a operadora móvel, com o objectivo de adquirirem empresas de telecomunicações fora de Angola.
O propósito era, segundo uma nota explicativa dos advogados da empresária angolana, expandir o negócio da Unitel S.A, o que levou a que a operadora nacional adquirisse, em 2012, a empresa Jadeium BV (à época detida exclusivamente pela empresária angolana Isabel dos Santos).
Através de um Contrato de Cessão de Quotas [ver aqui], subscrita por Manuel Vicente (então PCA da Sonangol), em nome da Mercury, S.A., a empresária angolana cedeu aos três accionistas fundadores da Unitel, S.A parte das suas acções, passando a sociedade comercial Jadeium BV a designar-se, pouco tempo depois, ‘Unitel International Holdings BV’.
Foi através da Unitel International Holdings BV que, em Maio de 2014, é colocado em marcha o chamado ‘Plano de Internacionalização dos Negócios da Unitel, S.A.’, através do qual teriam sido tomadas decisões que os advogados de Isabel dos Santos garantem ter sido “colegial e subscrita por três membros do Conselho de Administração” da operadora de telefonia móvel nacional.
À Unitel International Holdings BV os accionistas da Unitel, S.A concederam dois empréstimos: um avaliado em EUR 325.305.539,00 (trezentos e vinte e cinco milhões, trezentos e cinco mil e quinhentos e trinta e nove euros) e o outro no valor de USD 43.937.301,00 (quarenta e três milhões, novecentos e trinta e sete mil e trezentos e um dólares norte-americanos).
Com os dois empréstimos foram adquiridas as seguintes empresas tidas na altura como estratégicas: Unitel T+ Cabo Verde, a Unitel São Tomé e também as participações na NOS Portugal.
Contenda em Londres
Em 2020, o Estado angolano, através de uma carta rogatória enviada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) a Portugal, solicitou o congelamento das contas bancárias da Unitel International Holdings BV, sob alegação de que os empréstimos teriam sido “aprovados e assinados unicamente por Isabel dos Santos”.
Portugal atendeu o pedido do Estado angolano e nessa ocasião o juiz português Carlos Alexandre mandou congelar as contas da Unitel International Holdings BV.
Entretanto, a defesa de Isabel dos Santos nega e contra-argumenta que os factos evocados pelo Estado angolano estão muito longe de ser verdade, uma vez que, em 2012, a Unitel S.A chegou a informar ao Ministério das Telecomunicações de Angola sobre o seu plano de internacionalização e aquisição das participações na NOS Portugal, Unitel T+ Cabo Verde e Unitel São Tomé, tendo uma delegação de alto nível ministerial do governo de Angola estado presente no acto de inauguração destas três operadoras.
Presença de membros do governo
Uma pesquisa na imprensa angolana aponta que nessa data, por ocasião da cerimónia de lançamento da Unitel São Tomé, por exemplo, altas individualidades governamentais e institucionais locais e de Angola se fizeram presentes, com destaque para o então Presidente da República de São Tomé e Príncipe, Manuel Pinto da Costa.
Da parte de Angola participaram os ministros da Telecomunicações e Tecnologias de Informação, José
Carvalho da Rocha; das Relações Exteriores, Georges Chicoty, do Comércio, Rosa Escórcio Pacavira de Matos, o então governador do Banco Nacional de Angola (BNA), José de Lima Massano, entre outros.
Uma fonte ligada à Unitel, consultada pelo portal !STO É NOTÍCIA, garantiu que os contratos de empréstimo entre a Unitel S.A. e a Unitel International Holdings BV foram submetidos ao BNA, que teria licenciado e aprovado os respectivos pagamentos ao exterior com base nas decisões dos accionistas da operadora angolana.
A referida operação, de acordo com a mesma fonte, foi igualmente acompanhada de perto por José de Lima Massano, então governador do BNA e actual ministro de Estado para a Coordenação Económica.
Para melhor esclarecimento sobre esta situação, só o julgamento da acção principal deste caso poderá trazer mais elementos, porque só nessa altura devem ser analisados os argumentos e as matérias de prova.
Fonte: IstoÉNotícia