Qual é a melhor forma de tirar dinheiro de Angola? Abrir um banco

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INVESTIGAÇÃO: Como a elite angolana criou uma rede privada de bancos para transferir as suas fortunas para a União Europeia

Um grupo de destacados responsáveis do Governo de Angola e banqueiros canalizou centenas de milhões de dólares para fora do país com reduzida supervisão, criando a sua própria rede privativa de bancos através dos quais transferiu o dinheiro para Portugal e outros países da União Europeia, revela uma investigação do Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP, um consórcio de jornalismo constituído por centros de investigação em vários continentes).

Através dos seus bancos, a rede canalizou pelo menos 324 milhões de dólares, a maioria dos quais teve origem em Angola. Outros 257 milhões de dólares foram encontrados na posse de empresas europeias com ligações próximas a estes destacados responsáveis.

O esquema foi documentado em 2016 pelo Banco de Portugal em dois relatórios de auditoria que não tinham ainda sido tornados públicos. Nestes relatórios, os bancos que o grupo criou e usou foram descritos como tendo violado dezenas de normas bancárias. As conclusões dos auditores, que sinalizaram como altamente suspeitos os milhões pertencentes ao grupo, foram levados ao conhecimento das autoridades portuguesas e da União Europeia, mas a rede continua a funcionar até hoje.

“A liderança em Portugal não foi sensível aos danos de longo prazo que a lavagem deste dinheiro causaria ao país”, disse Ana Gomes, antiga deputada portuguesa no Parlamento Europeu. Além da prejudicar a reputação de Portugal, esta rede continua a corromper o país, acrescentou.

Ana Gomes disse ao OCCRP que o funcionamento desta estrutura implica uma “crescente rede de corrupção e evasão fiscal montada por muitos advogados, banqueiros, contabilistas, consultores, homens de negócios, funcionários públicos e políticos portugueses”.

O esquema tem implicações ainda mais dramáticas para Angola.

Perto de metade da população deste país no sul de África vive na pobreza. Parte do dinheiro que desapareceu nesta rede poderia ter sido investido em infraestruturas, educação ou serviços de saúde.

Dois homens que trabalharam de perto com o antigo Presidente de Angola José Eduardo dos Santos, que abandonou o poder em 2017 debaixo de uma série de alegações de corrupção, aparentam ser os arquitetos do sistema: o antigo vice-Presidente Manuel Vicente e o seu parceiro de negócios Leopoldino Fragoso do Nascimento, mais conhecido como Dino.

Antigo general e ex-chefe das comunicações presidenciais, Dino é uma das pessoas mais ricas de Angola.

O OCCRP contactou o general Dino e a presidência angolana, mas não obteve respostas. Tentou também contactar Manuel Vicente, sem sucesso.

Mais de uma dúzia de influentes quadros angolanos e elementos das suas famílias tiraram partido da rede. Por exemplo, empresas alegadamente associadas a Isabel dos Santos, a filha do ex-Presidente, receberam milhões.

Muita da riqueza deste grupo de elite surgiu ligada à Sonangol, a empresa estatal de petróleo e a fonte de pelo menos 75 por cento das receitas públicas do país.

“Durante a gestão de Vicente, a Sonangol passou de uma companhia essencialmente centrada no negócio petrolífero para uma constelação de mais de 70 joint ventures e subsidiárias a operar nos quatro continentes, um verdadeiro labirinto de interesses baseados no petróleo mas que se expandiram muito para lá deste sector”, disse Ricardo Soares de Oliveira, professor de Política Africana na Universidade de Oxford e especialista no sector bancário angolano.

Dinheiro foi também desviado de outras fontes públicas, incluindo alegadamente mais de 150 milhões de dólares em empréstimos do banco central de Angola que nunca foram pagos.

O circuito do dinheiro começou em Angola, onde as ligações políticas permitiram às elites escapar ao escrutínio dos reguladores. O grupo exerceu controlo sobre alguns dos maiores bancos do país, incluindo o Banco Africano de Investimentos (BAI), o Banco de Negócios Internacional (BNI) e o Banco Privado Atlântico (BPA).

As elites angolanas estenderam depois a rede ao criar sucursais de BNI e BPA no estrangeiro, tornando-se simultaneamente acionistas e clientes destes bancos. Isto permitiu-lhes transferir vastas somas de dinheiro através de uma rede privada de bancos com reduzido escrutínio.

As sucursais estrangeiras – duas em Portugal e uma em Cabo Verde – não fizeram controlos básicos de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo nem aplicaram procedimentos de diligência devida a clientes apontados como suspeitos por reguladores internacionais.

Os bancos tinham aliás poucos clientes externos à rede, na maior parte das vezes colhendo poucas receitas ou até registando prejuízos, o que sugere que a rentabilidade não era o seu principal propósito.

Vários detalhes sobre a rede surgem nos dois relatórios de auditoria do Banco de Portugal. Mas para deslindar o vasto circuito de dinheiro estabelecido entre Angola e a Europa, o OCCRP analisou também correspondência interna, documentos confidenciais de investigadores que não foram incluídos nos relatórios de auditoria e fontes públicas, incluindo dados comerciais sobre empresas.

O OCCRP não teve acesso às listas de clientes dos bancos, pelo que não foi possível determinar as quantias exatas enviadas ou recebidas por indivíduos específicos.

Mas o facto de as elites angolanas terem conseguido movimentar centenas de milhões através desta rede – que continua a operar, apesar dos relatórios de auditoria muito críticos em Portugal – levanta sérias questões sobre a capacidade, ou vontade, de Portugal e da União Europeia travarem fluxos financeiros ilegais. O OCCRP contactou o Banco Central Europeu, mas não obteve resposta.

A seguir à publicação da investigação Luanda Leaks pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ), com o Expresso e a SIC, que expôs suspeitas de corrupção massiva praticada por Isabel dos Santos e os seus associados, os reguladores têm prestado renovada atenção às elites angolanas em Portugal. Isabel dos Santos negou as alegações de ilegalidade ou irregularidade feitas pelo Luanda Leaks.

PRIMEIRA PRIORIDADE: ARRANJAR UM BANCO

A primeira componente essencial da rede financeira criada pela elite angolana foi o Banco Africano de Investimentos (BAI). Vários membros do grupo criaram o banco na capital angolana, Luanda, em 1996, fazendo dele o primeiro banco privado no país.

O novo banco foi ancorado no suporte da Sonangol, seu maior acionista. Ao longo dos anos, a relação entre a Sonangol e o banco tornou-se um importante veículo de corrupção.

Além dos mais de 300 milhões de dólares que as elites angolanas moveram através desta rede financeira, a investigação do OCCRP mostra que vários membros do grupo receberam ações do BAI de graça. A Sonangol transferiu pouco mais de 40 por cento das ações do banco para os membros da rede – mais uma forma de transferir a riqueza petrolífera do país para os bolsos das elites.

O valor dos bancos angolanos não está listado publicamente, mas uma análise de instituições similares em países vizinhos sugere que as ações poderiam valer mais de 150 milhões de dólares em 2017.

O OCCRP contactou a Sonangol mas não obteve resposta.

O grupo que montou o BAI inclui Manuel Vicente, à data um executivo em ascensão na Sonangol. Envolve também Mário Palhares, antigo vice-governador do banco central angolano, que deu a autorização para que o BAI entrasse em operação.

Palhares foi uma de várias pessoas a assumir papéis tanto dentro do BAI como nas instituições reguladoras responsáveis por supervisionar o banco. Tornou-se presidente do BAI depois de Aguinaldo Jaime abandonar o cargo para liderar o banco central angolano.

Investigadores nos EUA disseram mais tarde que Aguinaldo Jaime “invocou a sua autoridade” no banco central para enviar dinheiro para uma conta particular de forma inapropriada. Outro dos gestores de topo iniciais do BAI foi Joaquim Costa David, que havia anteriormente liderado a Sonangol e mais tarde se tornou ministro das Finanças.

Meses depois de ser criado, o BAI já tinha estabelecido contas correspondentes na subsidiária dos EUA do banco britânico HSBC. Os homens que controlavam o banco usaram esta relação para transferir dinheiro para empresas e contas bancárias particulares suas, de familiares ou de associados.

Usaram também o BAI para emitir cartões de crédito que podiam usar internacionalmente.

Em 1998, o banco tinha-se tornado essencialmente um “cartão de crédito” e um veículo para a lavagem de dinheiro das elites em Angola, segundo uma investigação de 2010 levada a cabo pelo Senado dos EUA. Os investigadores sinalizaram o dinheiro enviado para os Estados Unidos via BAI como tendo provável origem ilícita, já que pertencia a responsáveis públicos sem explicação legítima para tão largas somas de dinheiro, notando que o banco era gerido “sob a direção próxima da Sonangol”.

A LIGAÇÃO A CABO VERDE

Uma década depois de criar o BAI, o grupo começou a expandir a sua rede para lá de Angola.

O primeiro lugar para onde olharam foi Cabo Verde, uma antiga colónia portuguesa conhecida como um paraíso fiscal internacional. Em 2006, o grupo montou ali um banco chamado Banco Privado Internacional (BPI), um nome semelhante ao Banco Privado Atlântico, banco angolano que haviam criado no mesmo ano.

“Cabo Verde foi absolutamente crucial”, disse Ana Gomes, a antiga eurodeputada. “Usaram-no como um dos passos para dispersar a origem do seu dinheiro.”

Não é conhecida qualquer presença física genuína do banco em Cabo Verde, para lá de uma caixa postal na capital, Cidade da Praia. A instituição operava com quase total opacidade, sem partilhar qualquer informação sobre as suas atividades e sem publicar quaisquer relatórios financeiros anuais.

Além de partilhar um nome semelhante ao banco angolano, o BPI tinha como principal acionista Manuel Vicente, com uma quota de 35 por cento, segundo a auditoria do Banco de Portugal. Palhares tinha 30 por cento. O general João de Matos, antigo chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas angolanas durante a presidência de José Eduardo dos Santos, detinha 25 por cento. Outros 10 por cento eram detidos por José Garcia Boyol, que era presidente do banco ao mesmo tempo que servia como vice-presidente de outro banco controlado pelo grupo.

Os acionistas do banco cabo-verdiano trocavam frequentemente ações uns com os outros, numa aparente tentativa de evitar o escrutínio regulatório. Num dos exemplos apontados na auditoria, o BAI pediu ao banco central de Cabo Verde permissão para transferir para Mário Palhares as ações de Manuel Vicente, demonstrando uma relação de negócios próxima e de confiança entre um dos mais seniores agentes públicos de Angola e um dos seus principais banqueiros. Nessa ocasião, o pedido foi recusado.

Os relatórios de auditoria portugueses mostram que o dinheiro de Angola passava através de contas cabo-verdianas para outros bancos que o grupo controlava em Portugal e noutros pontos da Europa.

O OCCRP contactou o banco central de Cabo Verde, responsável por regular as instituições financeiras do país, mas não obteve resposta. Tentou também contactar o BPI, sem sucesso.

Mesmo assim, as elites angolanas estavam expostas a reguladores, uma vez que o dinheiro que fluía através de Cabo Verde acabava noutras jurisdições financeiras fora do seu controlo.

Para resolver esse problema, a rede precisou de criar os seus próprios bancos na Europa.

A ENTRADA NA EUROPA

Em 2014, o grupo recebeu permissão das autoridades portuguesas para lançar um novo banco, o BNI Europa, em Lisboa. Era uma sucursal estrangeira do Banco de Negócios Internacional (BNI), uma instituição de crédito controlada sobretudo por Mário Palhares, antigo responsável do banco central.

A presença física do BNI Europa resumia-se a uma única secretária num edifício. Em dezembro de 2015 o banco tinha apenas 97 clientes reais, a maioria angolanos.

Para estabelecer uma base de clientes europeia, o banco fez uma parceria com a Saving Global, uma plataforma de investimentos online alemã, que somou mais 2.400 clientes. No entanto, estes clientes representaram apenas seis por cento do dinheiro movimentado através do banco, e nenhum sequer tinha lá conta. Usavam a instituição apenas como plataforma de transferência de fundos. O OCCRP contactou a Saving Global mas não obteve resposta.

Na realidade, o BNI Europa aparentava existir apenas como veículo para fundos que saíam de Angola. Segundo os auditores, o banco estava “totalmente dependente” do BNI, a empresa-mãe angolana, onde tinham origem 85 por cento dos ativos do banco em 2016.

Uma vez que o dinheiro era enviado do BNI para a sua própria sucursal, estas transferências estavam a salvo de escrutínio legal e financeiro. Os auditores concluíram que o BNI Europa não tinha qualquer informação sobre a origem destes fundos.

Além disso, porque o BNI Europa era quase inteiramente detido pela empresa-mãe angolana, os fundos que fluíam de um para o outro continuavam a gerar valor para os mesmos acionistas. O dinheiro não tinha verdadeiramente mudado de mãos, mas tinha sido transferido para a Europa com sucesso e pouco escrutínio.

Os auditores portugueses descobriram uma escassez de práticas básicas de diligência devida no BNI Europa.

O banco não tinha procedimentos para registar informação básica sobre os seus clientes. Também lhe faltavam ferramentas antibranqueamento de capitais para verificar as transações, algumas das quais são descritas na auditoria como “avultadas”, incluindo as que envolviam clientes politicamente expostos — PEP.

A equipa de compliance do banco resumia-se a um funcionário, que não estava autorizado a aceder às contas de determinados clientes. Por exemplo, a conta pertencente ao filho de Mário Palhares, o maior acionista do banco, estava vedada, de acordo com os auditores.

A filha de Palhares, Lúcia, ingressou no banco como gestora de clientes e abriu diretamente contas para os clientes que tinham negócios com a empresa-mãe, BNI. O OCCRP tentou contactar Mário Palhares, sem sucesso.

Depois de conduzirem uma auditoria por amostragem aos clientes do BNI Europa, os investigadores descobriram que não tinha sido recolhida informação substancial sobre 71 por cento dos clientes individuais e 100 por cento dos clientes empresariais. O banco devia ter investigado a larga maioria dos clientes incluídos na amostra, sustentaram os auditores.

O BNI Europa também não tinha acesso às contas abertas pela empresa-mãe, o que essencialmente colocava o grosso da sua atividade financeira fora do seu próprio alcance.

Numa carta aos auditores datada de 30 de junho de 2016, o BNI Europa disse ser incapaz de fornecer registos das transações que passavam pelas suas contas, porque apenas o banco principal as tinha.

“Apresentamos as nossas sinceras desculpas”, escreveu o BNI Europa.

Contactada pelo OCCRP, uma porta-voz do banco disse: “A natureza do nosso negócio e a lei impõem-nos um especial dever de confidencialidade, que impede o Banco BNI Europa de responder apropriadamente às vossas questões […] O Banco BNI Europa atuou com a devida transparência junto de todas as autoridades e nota que, tanto quanto é do nosso conhecimento, não foram aplicadas quaisquer acusações ou coimas relacionadas com estas alegações”.

O OCCRP contactou o BNI, mas não obteve resposta.

A EXPANSÃO EM PORTUGALO grupo da elite angolana abriu também uma filial portuguesa do Branco Privado Atlântico (BPA), outro dos bancos que controlavam em Angola.

A maioria das ações deste novo banco, BPA Europa, é detida por Carlos da Silva, um advogado visto como um dos associados de Manuel Vicente (e que chegou a ser vice-presidente do Millennium BCP em Portugal, quando este banco tinha a Sonangol como maior accionista).

A opaca estrutura acionista do banco europeu inclui também cerca de uma dúzia de empresas maioritariamente sediadas em paraísos fiscais como o Luxemburgo, nos quais os verdadeiros donos podem ser representados por procuradores de negócio.

O OCCRP tentou contactar Carlos da Silva, sem sucesso.

À superfície, a atividade registada pelas várias divisões do banco em 2016 não aponta nada fora do normal: clientes empresariais receberam créditos no valor de 125 milhões de euros e fizeram depósitos de 57 milhões.

Contudo, quando os auditores escrutinaram as contas em 2016 descobriram que mais de 60 por cento das reservas do banco vinham do banco central angolano ou de depósitos feitos por bancos angolanos de elevado risco nos quais altos responsáveis do Governo de Angola tinham ações.

Numa tática semelhante à do BNI, o banco estabeleceu uma parceria com a empresa de tecnologia financeira alemã Savedo para fazer crescer a sua base de clientes europeus.

“Levamos muito a sério as acusações contra bancos que usam a nossa plataforma”, disse o diretor de comunicações da empresa, Attila Rosenbaum. “O momento em que um banco perde a licença [da autoridade reguladora], a cooperação com [esse banco] será terminada.”

O BPA Europa era também maioritariamente dependente do capital angolano, com uma lista de cidadãos angolanos politicamente influentes como Dino, Manuel Vicente e o seu associado Carlos da Silva. Os funcionários do banco parecem ter evitado olhar para as contas de alguns dos seus clientes mais sensíveis, tal como o filho de Vicente. O banco, conhecido hoje como Banco Atlântico Europa (BAE), disse que “menos de um por cento” dos seus clientes são pessoas politicamente expostas e que realiza procedimentos de diligência devida reforçada sobre estes clientes.

Alguns destes clientes principais foram também acionistas e dirigentes do banco. Isso permitiu à instituição mover dinheiro a favor deles usando uma variedade de técnicas opacas que obscureceram a origem dos fundos.

Um porta-voz do banco disse que a instituição não tem “qualquer pessoa politicamente exposta ou qualquer banco na estrutura acionista”. Acrescentou: “Angola é um mercado importante para o BAE, mas o BAE tem várias outras linhas de negócio.” Tem mais de 20.000 “clientes abastados ativos”, disse.

A auditoria do Banco de Portugal revelou que empresas associadas a estes influentes angolanos, e já sinalizadas como problemáticas pelas autoridades portuguesas, fizeram negócios regulares com o BPA Europa. Por exemplo, Dino e a sua esposa tinham várias contas no banco, incluindo uma associada à Cochan, empresa que ele controlava e que alegadamente fez negócios de vários milhares de milhões de dólares com a Trafigura, uma companhia internacional de comércio de mercadorias.

A par de Vicente e Kopelipa, Dino foi identificado em documentos judiciais nos EUA como tendo acumulado uma vasta fortuna através de negócios de petróleo envolvendo a Sonangol.

Os acionistas do BPA Europa usaram a estrutura financeira do banco para guardar milhões de dólares provenientes de Angola em empresas gestoras de participações sociais (holdings) com contas bancárias europeias. Um desses clientes era a GAM Holdings, empresa sediada em Angola e alegadamente ligada a Isabel dos Santos, a filha do antigo Presidente.

As transferências, que totalizaram pelo menos 63 milhões de euros, foram para várias empresas, incluindo subsidiárias da GAM Holdings, cujo acionista maioritário, António Mosquito, foi considerado pelos media angolanos como um associado de negócios de Isabel dos Santos.

Em Portugal, a GAM Holdings chegou a deter 27,5% do grupo Global Media, dono dos jornais Diário de Notícias e Jornal de Notícias e da rádio TSF, tendo sido também accionista principal (com 66,7%) do grupo de construção Soares da Costa.

Numa série de e-mails, Isabel dos Santos negou quaisquer negócios com Mosquito ou Vicente.

Os auditores portugueses descobriram que o BPA Europa não seguiu as exigidas regras “Know Your Costumer”, que obrigam os bancos a conhecerem de perto as atividades dos seus clientes.

Foi identificada a falta de práticas básicas de diligência devida, produzindo uma lista de violações e falhas que incluiu o uso de sistemas eletrónicos desatualizados que permitiam que pessoas não autorizadas lidassem com as contas em nome do banco.

Os auditores disseram que o banco tendia a não recolher informação básica sobre os seus clientes, comentando que as “características dos BEF [beneficiários efetivos] das entidades coletivas não são tidas em conta […] porque não são carregadas no sistema”.

O BPA Europa também não tinha ferramentas para identificar relações e transações potencialmente suspeitas feitas por clientes empresariais, institucionais ou por correspondentes, incluindo o BNI e o banco-pai do próprio BPA Europa.

De facto, o BPA Europa parecia ter sido estruturado para garantir que tal informação não fosse coletada, concluíram os auditores.

Os seus agentes de compliance – funcionários juniores a tempo parcial que os auditores disseram “não disporem de qualquer experiência anterior na matéria” – trabalhavam em espaço aberto, perto de outros departamentos. A diretora da unidade de compliance era também secretária da sociedade e “revelou diversas lacunas” no conhecimento das leis de branqueamento de capitais, segundo a auditoria.

O resultado era um processo que “não permite identificar um conjunto alargado de movimentações suspeitas que poderão configurar o crime de branqueamento de capitais”, com consequências claras.

Em mais de 60 por cento das contas de clientes individuais examinadas pelos auditores faltava informação significativa, tal como o propósito da relação de negócio ou a justificação para a transação. O mesmo era verdade para todas as contas empresariais.

Os auditores sublinharam que o fracasso dos bancos angolanos e suas filiais em Lisboa na condução as suas operações de diligência obscureceu a origem das transações, criando um ambiente perfeito para a lavagem de dinheiro.

Um porta-voz do banco disse que opera “debaixo das rigorosas regras do Banco Central Europeu e diretamente supervisionado pelo banco central português”, regras que afirma serem cumpridas “em pleno”. E acrescentou: “O BAE colabora em pleno com todas as autoridades sobre qualquer matéria, incluindo as relativas ao combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo ou à compliance, implementando todas as determinações e recomendações emitidas pelos supervisores.”

O Banco de Portugal recusou fazer comentários sobre bancos específicos. Disse no entanto que entre 2015 e 2016 conduziu auditorias a diversas instituições financeiras, “incluindo as que têm capital angolano”. O banco central acrescentou que as suas auditorias resultaram em mais de 500 medidas de supervisão e 300 procedimentos administrativos, incluindo diversos envolvendo branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.

“FAZER AS VONTADES”

Em 2018, o Governo português, o Banco Central Europeu, a Autoridade Bancária Europeia e o comissário dos Assuntos Económicos e Monetários da União Europeia já tinham tido conhecimento das auditorias do Banco de Portugal.

Mas as autoridades portuguesas mostraram pouco interesse em examinar as suas conclusões e deixaram que os bancos angolanos continuassem a operar.

“Foi o tempo da crise financeira em Portugal e foi também o tempo em que as elites angolanas estavam a começar a acumular fortunas depois da sua longa guerra civil”, disse Ana Gomes sobre este período, durante o qual o Governo português foi forçado a aceitar um resgate de 110 mil milhões de dólares (78 mil milhões de euros) da União Europeia.

“Portanto, claro que Portugal estava feliz por fazer as vontades dos angolanos que precisavam de lavar o seu dinheiro e reinvesti-lo, porque isso significava um influxo de dinheiro para o país”, acrescentou.

Cada vez mais preocupada com a corrupção que se espalhava pelo sector bancário, Ana Gomes pressionou para que se tomassem medidas. Em cartas a que o OCCRP teve acesso, a então eurodeputada perguntou ao banco central português o que estava a fazer, se é que alguma coisa, para deter as atividades suspeitas em curso nos bancos angolanos. O Banco de Portugal não respondeu, citando a sua responsabilidade de manter o “segredo profissional”.

Ana Gomes e quatro outros deputados europeus levantaram também o assunto numa carta enviada à Autoridade Bancária Europeia em 2015, mas a agência respondeu que prevenir a lavagem de dinheiro não estava no seu mandato. O OCCRP contactou a Autoridade Bancária Europeia, mas não obteve resposta.

Vários dos angolanos poderosos que usaram esta rede financeira opaca violaram legislação portuguesa e da UE sobre branqueamento de capitais, incluindo uma regra que regula as transações e relações de negócio de pessoas politicamente expostas. No entanto, ninguém foi acusado.

“A União Europeia precisa de tomar medidas concretas para harmonizar padrões […] contra o branqueamento de capitais”, disse Maira Martini, perita em corrupção e fluxos financeiros ilícitos na organização não-governamental Transparência Internacional. “Também precisa de ponderar a criação de uma agência dedicada ao branqueamento de capitais com poderes de supervisão e sanção sobre os Estados-membros que falhem nas suas obrigações.”

Os bancos montados pelos angolanos continuam a operar em Cabo Verde e em Portugal. Centenas de milhões passaram pelos bancos-pais e pelas suas filiais nos últimos anos, e a origem exata de muito deste dinheiro permanece desconhecida.

“Se apenas uma fração deste dinheiro tivesse sido aplicada de formas mais convencionais – saúde, educação, infraestruturas de boa qualidade – nem todos os problemas teriam sido resolvidos”, admitiu Soares de Oliveira, o professor de Oxford, “mas Angola seria hoje um país diferente.”

*Este trabalho de investigação foi publicado originalmente pelo OCCRP a 13 abril de 2020. EXPRESSO

 

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