As estátuas de um comerciante de escravos e de um rei colonialista foram retiradas, dois dias depois de manifestantes terem derrubado outra em Bristol.
Uma estátua do rei dos belgas Leopoldo II, figura controversa do passado colonial da Bélgica, foi retirada de uma praça pública em Antuérpia e guardada num museu. Em Inglaterra, enquanto activistas se manifestaram contra a estátua do empresário Cecil Rhodes em Oxford, outra, do comerciante de escravos Robert Milligan era retirada em Londres.
A retirada da estátua de Leopoldo II ocorre depois das manifestações que juntaram milhares de pessoas em várias cidades belgas contra o racismo e em homenagem a George Floyd, o norte-americano morto há duas semanas por um polícia nos Estados Unidos.
A estátua em causa, situada perto de uma igreja em Ekeren, tinha sido vandalizada na semana passada. A sua remoção do local, segundo Johan Vermant, porta-voz do burgomestre (autarca) de Antuérpia, Bart De Wever, já estava prevista no âmbito de uma remodelação da praça programada para 2023, mas a transferência para o Museu Middelheim foi antecipada depois de ter sido “seriamente vandalizada na semana passada”.
“Devido à renovação da praça, a estátua não voltará a ser lá colocada e continuará provavelmente a fazer parte da coleção do museu”, disse Vermant à AFP.
Leopoldo II (1835-1909) é há muito uma figura polémica na Bélgica pelos crimes do seu governo no antigo Congo belga, atual República Democrática do Congo, incluindo, segundo historiadores, a morte de cerca de 10 milhões de congoleses, mas a discussão pública em torno do antigo monarca reacendeu-se com o caso George Floyd.
Já este mês, os partidos maioritários no parlamento belga pediram ao executivo a criação de um grupo de trabalho para a “descolonização” do espaço público, através da revisão e remoção dos nomes de ruas e praças relativos à história colonial do país.
Nas últimas semanas, várias estátuas de Leopoldo II pelo país foram vandalizadas e foi lançada uma petição, de um grupo intitulado “Reparar a História”, para a retirada das estátuas e bustos do antigo rei da capital belga.
“Estas estátuas não têm lugar em Bruxelas, com os seus 118 distritos com quase 200 nacionalidades representadas”, lê-se na petição, que já tem mais de 40 mil assinaturas e está aberta a assinantes até 30 de junho, 60.º aniversário da independência do Congo.
O Congo foi declarado colónia da Bélgica em 1885, durante a Conferência de Berlim, que dividiu África entre as potências coloniais europeias. A colonização do Congo permitiu a Leopoldo II transformar a Bélgica numa potência através da exploração dos recursos congoleses, nomeadamente a borracha.
Para competir com os países que exploravam as vastas plantações de borracha da América Latina e sudeste asiático, Leopoldo II escravizou a população congolesa e submeteu-a a grande violência, com historiadores a estimarem que, durante o seu domínio, a população do Congo foi reduzida a metade, em consequência da violência, fome, exaustão e doenças.
Na Exposição Universal realizada em Bruxelas em 1897, Leopoldo II aprovou a exibição de um “zoológico humano” de homens, mulheres e crianças congoleses, hoje um símbolo da desumanização dos congoleses promovida pelo monarca.
Depois de Bristol, Londres e Oxford
No Reino Unido, activistas antirracistas mostram sinais de querer continuar a remoção das estátuas eliminar os símbolos do passado colonial britânico, depois de terem derrubado no domingo uma em Bristol.
Em Londres, a edilidade de Tower Hamlets removeu a estátua de Robert Milligan, um comerciante de escravos do século XVIII.
Coincidindo com o funeral de Floyd do outro lado do Atlântico, ativistas britânicos manifestaram-se também em Oxford contra a estátua de Cecil Rhodes, magnata da mineração e político colonial atuante na África do Sul no século XIX que deu nome à Rodésia (atual Zimbabué).
Em 2016, já haviam sido organizados protestos contra a efígie de Rhodes, que adorna um prédio da Oriel College naquela renomada cidade universitária. Os ativistas não alcançaram seu propósito, mas agora sentem-se encorajados depois de no domingo, manifestantes terem derrubado a estátua de Edward Colston, comerciante de escravos do fim do século XVII, em Bristol.
A estátua daquele que financiou numerosas instituições naquela cidade do sudoeste da Inglaterra foi arrancada de seu pedestal e atirada ao rio, e com isso abriu um debate nacional.
O artista de rua Banksy, originário de Bristol, propôs uma solução para que defensores e detratores cheguem a um acordo: “Tiramos a estátua da água, colocamos de volta no pedestal, amarramos um cabo em volta do seu pescoço e agregamos estátuas de bronze, em tamanho real, dos manifestantes derrubando-a”, reproduzindo a cena de domingo, propôs no Instagram. “Assim, todos ficam felizes”, sugeriu.
Boris Johnson não aceita vandalismo
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, disse compreender a revolta das pessoas que protestam pela morte de George Floyd, mas advertiu que não irá tolerar violência nem infrações ao distanciamento social.
“E então eu digo que sim, vocês estão corretos, nós estamos corretos, ao afirmar que as vidas dos negros importam. E a todos aqueles que escolheram protestar pacificamente e que insistiram no distanciamento social, eu digo sim, claro que eu vos escuto e entendo”, afirmou o chefe de governo conservador numa mensagem de vídeo divulgada nesta segunda-feira à noite.
Porém, no momento em que o Reino Unido, segundo país do mundo mais afetado pelo novo coronavírus, com 50 mil mortos, sai gradualmente do confinamento, Johnson advertiu que não vai apoiar os que desrespeitarem as regras de distanciamento social devido ao risco de novas infecções. E não só: “E não, eu não apoiarei nem cederei aos que violam a lei, atacam a polícia ou vandalizam monumentos públicos.”
O debate sobre o passado colonial do Reino Unido não é recente e o país é pressionado há tempos para que devolva obras como os frisos do Partenon de Atenas, exibidos no Museu Britânico, em Londres.
“Chegou a hora de um debate nacional franco sobre o legado do colonialismo”, tuitou a deputada do Partido Trabalhista Layla Moran, que pediu a remoção da estátua de Cecil Rhodes, “um supremacista branco que não representa os valores de Oxford em 2020”.
A luta estendeu-se a outras regiões do Reino Unido, como em Edimburgo, na Escócia, onde a estátua do político Henry Dundas, que trabalhou para atrasar a abolição da escravatura, também é polémica. O autarca Adam McVey disse que se a estátua fosse removida não faria falta.
Em Londres, perto do Parlamento, a estátua do ex-primeiro-ministro conservador e herói da Segunda Guerra Mundial Winston Churchill, cujas declarações sobre questões raciais são polémicas, também foi atacada no fim de semana.
O mayor da capital, Sadiq Khan, considerou que os protestos colocaram em evidência a falta de diversidade nos espaços públicos. E anunciou a criação de uma comissão para resolver o problema.
DN