A consultora Eurasia disse hoje que a China deverá aceitar um congelamento de toda a dívida de Angola durante alguns anos, sendo esta uma condição necessária para o FMI aceitar um aumento da ajuda financeira.
“A China parece querer aceitar um congelamento de todos os pagamentos da dívida pelo menos durante alguns anos, por isso os termos em negociação relacionam-se com a duração, e não com o âmbito do congelamento dos pagamentos”, escrevem os analistas da Eurasia.
Numa nota sobre algumas economias africanas, enviada aos clientes, e que a Lusa teve acesso, os analistas Darias Jonker e Brittany Hughes escrevem que o Presidente de Angola, “por seu turno propôs que Angola corte as exportações de petróleo para a China, um mecanismo usado para pagar parte da dívida”.
Para estes analistas, o Fundo Monetário Internacional (FMI) só aceitará aumentar o envolvimento financeiro em Angola se a China aceitar um adiamento dos pagamentos.
“O FMI vai provavelmente esperar um compromisso firme da China sobre o congelamento de todos os pagamentos da dívida antes de reconsiderar o tamanho e a estrutura do programa de ajuda financeira a Angola, no valor de 3,7 mil milhões de dólares”, cerca de 3,2 mil milhões de euros, acrescentam os analistas.
Os comentários da Eurasia surgem na mesma altura em que a consultora Capital Economics argumentou que “a única surpresa sobre o anúncio de que Angola ia aderir à Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI) do G20 foi o tempo que demorou a ser feito”.
“Parece que o FMI empurrou Angola para uma reestruturação da dívida; o Fundo deve ter determinado que a dívida pública é insustentável e que Angola só pode receber mais dinheiro se reestruturar a sua dívida”, escreve o analista responsável pelo departamento africano na Capital Economics, William Jackson.
Segundo as estimativas do FMI, só a dívida de Angola à China que é para com recurso a entregas de petróleo ronda os 15% do PIB, pelo que a ideia de que não será preciso renegociar a dívida com os credores privados é “optimista”.
“A sugestão do Governo de que não será necessária uma renegociação mais genérica da dívida para além das medidas já aprovadas parece optimista; a dívida pública está a caminho de um aumento para 120 a 130% do PIB durante este e o próximo ano, pelo que uma renegociação mais significativa, incluindo aos credores privados, será provavelmente necessário para colocar o rácio numa trajectória mais sustentável”, conclui o analista.
Os comentários destes consultores surgem numa altura em que a Comissão Económica para África das Nações Unidas tem estado em reuniões com os ministros das Finanças africanos, na sequência da discussão pública que tem existido nos mercados financeiros africanos sobre como os governos podem honrar os compromissos e, ao mesmo tempo, investir na despesa necessária para conter a pandemia da covid-19.
A assunção do problema da dívida pública como uma questão central para os governos africanos ficou bem espelhada na preocupação que o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial dedicaram a esta questão durante os Encontros Anuais, que decorrem em abril em Washington, nos quais disponibilizaram fundos e acordaram uma moratória no pagamento das dívidas dos países mais vulneráveis a estas instituições.
A 15 de abril, também o G20, o grupo das 20 nações mais industrializadas, acertou uma suspensão de 20 mil milhões de dólares, cerca de 18,2 milhões de euros, em dívida bilateral para os países mais pobres, muitos dos quais africanos, até final do ano, desafiando os credores privados a juntarem-se à iniciativa.
Além disso, a UNECA, entre outras instituições, está a desenhar um plano que visa trocar a dívida soberana dos países por novos títulos concessionais que possam evitar que as verbas necessárias para combater a covid-19 sejam usadas para pagar aos credores.
Este mecanismo financeiro seria garantido por um banco multilateral com ‘rating’ de triplo A, o mais elevado, ou por um banco central, que converteria a dívida actual em títulos com maturidade mais alargada, beneficiando de cinco anos de isenção de pagamentos e cupões (pagamentos de juros) mais baixos, segundo a UNECA.
Os credores privados também já avançaram com um plano que permite diferir os pagamentos da dívida sem influenciar os ratings atribuídos pelas agência de notação financeira, mas o receio de que a falta de pagamento possa cortar o acesso aos mercados internacionais tem levado a que sejam poucos os países a anunciar uma reestruturação da dívida a credores privados.
De acordo com a Fitch Ratings, Angola deverá ter de pagar este ano cerca de 5 mil milhões de dólares (4,4 mil milhões de euros).
Lusa