ROUBO DE 400 MILHÕES NO BPC

ROUBO DE 400 MILHÕES NO BPC

ROUBO DE 400 MILHÕES NO BPC

Enquanto vigora o estado de emergência devido à pandemia global da COVID-19, no Banco de Poupança e Crédito (BPC) os desfalques multimilionários continuam.

A 17 de Abril passado, houve novo roubo interno de mais de 400 milhões de kwanzas. Enquanto alguns bancos privados têm estado a mobilizar recursos próprios para apoiar o governo na luta contra a COVID-19, o banco do Estado, financiado com dinheiro dos contribuintes, apenas manifesta vontade de subtrair o que é alheio.

O Maka Angola tem vindo a investigar os casos mais recentes, registados já na era de combate à corrupção iniciada por João Lourenço, e apresenta os primeiros resultados.

Um exemplo: entre Março de 2017 e Abril de 2018, alguns técnicos de informática do BPC saquearam cerca de 1,9 mil milhões de kwanzas (à data equivalentes a dez milhões de dólares) através de contas de empresas e clientes particulares.

O levantamento desses fundos, colocados de forma fictícia nas contas das empresas, era feito com recurso a cheques de compensação, TPAs (Terminal de Pagamento Automático) destas empresas e postos de abastecimento de combustível.

De entre os beneficiários, a empresa Derocand – Construção Civil, Obras Públicas e Desminagem, pertencente a Joffre de Jesus Gonçalves da Silva e a Gaspar Cristóvão da Silva, “ganhou”, sem mexer uma palha, um total de 204 milhões de kwanzas. Por sua vez, a Zema Lda. beneficiou de 170 milhões de kwanzas.

Em resposta ao questionário detalhado de nove perguntas sobre o conteúdo desta matéria, o director do Gabinete de Comunicação e Imagem do BPC, Manuel Maximino Júnior, responde: “Por se tratar de temas sob segredo de justiça, o BPC não vai poder responder às questões apresentadas.”

A venalidade com que as autoridades competentes têm lidado com o caso BPC suscita apreensão junto das instâncias judiciais. Fonte familiarizada com a investigação confidencia ao Maka Angola que o esquema sempre foi do conhecimento da administração do BPC e dos órgãos de investigação e judiciais.

Regra geral, após esse tipo de operações, os técnicos de informática eliminam do sistema informático os valores fictícios criados nas contas, levantamentos e transferências afins, em conivência com técnicos das direcções de contabilidade e de auditoria interna.

Em 2017, o então PCA do BPC, Paixão Júnior, que presidiu ao saque descontrolado do banco, foi substituído por Ricardo Viegas D’Abreu, a quem coube a reestruturação da direcção de informática, para estancar a “hemorragia” do saque. Ricardo D’Abreu nomeou um perito em segurança informática, Mário Pedro, proveniente do BNA, mas a verdade é que os desfalques têm continuado.

O jornalista e os 178 milhões

A 1 de Junho de 2018, Avelino Sebastião Mendes, técnico da Direcção de Informática do BPC, através de engenharias electrónicas, injectou um total de 232 milhões e 300 mil kwanzas em quatro contas fictícias.

Um conhecido jornalista e gestor de um órgão público de informação [nome omitido a seu pedido] foi o principal beneficiário da fraude, tendo recebido 178 milhões de kwanzas na sua conta.

“Não corresponde à verdade. De facto, o dinheiro foi depositado na minha conta, sem o meu conhecimento, e nunca beneficiei do mesmo”, responde ao Maka Angola.

Fonte do Private do BPC indica que a gestora de conta Michela José foi detida quando tentava fazer aplicações no valor de 90 milhões de kwanzas, usando o dinheiro que “caiu” na conta do jornalista, supostamente por indicação deste. A gestora passou perto de um mês na cadeia, e foi despedida do banco.

O jornalista nega a acusação. “A gestora pediu-me para ajudar um cliente que precisava de fazer um grande levantamento”, diz. “Ela era da minha inteira confiança.

Assinei os documentos para ela fazer os levantamentos para o tal senhor, que desconheço quem seja, incluindo para levantamentos de dois cartões multicaixa”, acrescenta.

Mais explica ter assinado apenas para levantamentos no valor de dez milhões de kwanzas.

Sobre a pergunta da inexistência de qualquer origem dos 178 milhões de kwanzas “caídos” na sua conta, o jornalista justifica, dizendo que a gestora “não reparou que o dinheiro não tinha origem”.

No processo da acareação na PGR, duas semanas depois da fraude, o jornalista refere ter sabido então, na presença e pela explicação de Michela José, que o favor lhe fora pedido por um colega de nome Marcos, e não por um cliente.

“Eu soube apenas na PGR que o valor injectado na minha conta era de 178 milhões de kwanzas. Não beneficiei de nada”, lamenta.

O gestor público refere ainda que há cerca de dois meses, sem precisar a data, soube junto do BPC que mais 400 milhões de kwanzas tinham sido injectados na sua conta, quando a mesma já tinha sido encerrada, logo após a descoberta da fraude dos 178 milhões.

“Liguei à PGR para informá-los e, afinal, já sabiam do caso. Disseram-me para ficar descansado e não me preocupar porque o dinheiro já tinha sido removido da conta”, revela.

A fraude dos 900 milhões

Entre 1 e 4 de Junho do mesmo ano, os técnicos empreenderam outros saques. Com valor mais elevado, seguiu-se a empresa SEDCOSM Comércio-Geral e Prestação de Serviços, com 33 milhões e 800 mil kwanzas; a H 3 E Comercial, com 13,5 milhões de kwanzas, e o cidadão Eustórgio José António, com sete milhões de kwanzas.

Desinteligências e interesses opacos no Serviço de Investigação Criminal (SIC) facilitaram a fuga do indivíduo identificado como sendo o principal autor das fraudes, Avelino Sebastião Mendes, funcionário do Departamento de Gestão do Sistema Informático Central do BPC.

Fontes do Maka Angola garantem que o suspeito foi acompanhado por investigadores até ao avião, na sua fuga para a Europa, via África do Sul.

A fuga de Avelino Mendes em nada afectou o esquema fraudulento. Com pouca imaginação, segundo dados recolhidos por este portal, a 10 de Agosto de 2018, a rede de burlões criou uma conta bancária em nome de uma empresa fictícia, China Nova Jiangsu, para servir de receptáculo do saque.

Nesta “empresa” foram injectados 900 milhões de kwanzas. Ora, a China Nova Jiangsu é a empresa encarregada de remodelar o edifício sede do BPC, na marginal de Luanda. O Maka Angola sabe que a vulnerabilidade do sistema informático do BPC permite a abertura de contas de empresas com o mesmo nome, mas que na realidade são entidades diferentes e, como se verifica neste caso, sendo um deles um ente fictício.

Cinco meses depois, o SIC deteve, a 15 e 16 de Novembro, os técnicos de informática Domiciano Lucas e Gerson Filipe Francisco, acusados da co-autoria material da fraude envolvendo a conta da China Nova Jiangsu. Dos 900 milhões de kwanzas, esses técnicos transferiram 860 milhões para dez outras contas, como forma de branqueamento dos fundos por si “inventados” através do sistema informático.

Acto contínuo, os valores circularam de seguida para a conta de uma bomba de combustível da rede Pumangol, sob direcção de Osvaldo Kissalala.

As investigações policiais levaram à recuperação de 460 milhões dos 900 milhões de kwanzas.

Nessa altura, o SIC também deteve, por algumas semanas, o seu operativo Luís Gomes, que acompanhava o caso, por suspeita de que o mesmo havia colaborado com a associação criminosa de saque ao BPC e facilitado a fuga do técnico Avelino Sebastião Mendes.

O Maka Angola tem informações sobre um quarto técnico de informática, Heldair Martins Manuel, também envolvido no esquema. Este quadro de informática do Ministério do Interior, em comissão de serviço no banco, mereceu tratamento diferenciado do SIC, tendo sido deixado em paz. Encontra-se actualmente à disposição dos recursos humanos do BPC.

Gerson Filipe Francisco foi libertado a 21 de Dezembro passado e retomou o seu emprego no banco.

Há temores, no SIC e ao nível da PGR, que muitas investigações contra a corrupção venham a ser comprometidas por interesses pessoais e obscuros de agentes e magistrados envolvidos.

Segundo fontes oficiosas, alguns técnicos de informática do BPC desenvolveram um sistema funcional de alimentação de valores fictícios em contas e a eliminação dos registos de transacção depois de realizadas as operações.

O mesmo tem sucedido também com devedores do banco (um assunto a abordar em breve). O então chefe do Departamento de Sistemas, André Patrício Manuel Marcelino, responsável pela gestão do sistema informático do BPC, foi demitido em Março de 2018, por suspeitas de graves irregularidades na gestão do sistema. Mas o regabofe prosseguiu, no mesmo departamento.

Há o caso do técnico principal do referido departamento, Tânio Conde, que continua em funções. Sobre este pesa a denúncia de que, entre Junho e Setembro de 2016, injectou (sem cobertura de crédito ou depósito) um total de mil milhões de kwanzas nas contas das empresas HCG e AKRIL Lda., pertencentes a Sebastião Mateus João e Patrício Faustudo de Abrantes.

Grande parte desses fundos foram depois transferidos para as contas dos irmãos do técnico, Mário Conde e Cristina Conde. O passo seguinte foi a “limpeza” da conta da AKRIL.

É como se nada se tivesse passado e esta nunca tivesse recebido tais montantes.

Feitas as contas, o montante saqueado no BPC, através da injecção de valores fictícios em contas, ultrapassa os dois mil milhões de kwanzas no espaço de dezoito meses.

O BPC é um banco público e, apesar de todos estes rombos, ainda não foi sujeito a qualquer auditoria pública. Hoje levantamos o véu sobre as práticas da arraia-miúda, mas haveremos de chegar aos tubarões que têm devorado a instituição.

Crime cibernético

Do ponto de vista legal, levantam-se dois tipos de questões acerca destes factos, de acordo com o analista jurídico do Maka Angola, Rui Verde. Em primeiro lugar, a sofisticação informática remete para a consideração acerca dos crimes cibernéticos, cuja legislação em Angola ainda não está desenvolvida. “Espera-se que o ‘novo’ Código Penal se debruce sobre a matéria com a exigência necessária.

Por este caso, vê-se como a criminalidade informática se tornou uma das grandes áreas de actuação ilícita”, diz.

Segundo, “um banco deve ter um departamento interno que controle as actividades dos seus funcionários e, sobretudo, tenha mecanismos de alerta sofisticados para evitar situações como as descritas”, refere o jurista.

Rui Verde chama também a atenção ao Banco Nacional de Angola, a quem compete obrigar as instituições sob sua supervisão a adoptar tais mecanismos de alerta. “No fim de contas, temos mais uma falha do BNA, que deixou a banca angolana funcionar sem qualquer supervisão concretamente adequada”, remata.

 

ROUBO DE 400 MILHÕES NO BPC

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