A reforma cambial visava combater o gap entre as taxas de câmbio do mercado formal e informal, bem como adotar regimes de taxas flutuantes e estabilizar as reservas internacionais. Hoje o gap desceu, mas a pressão sobre as reservas geridas pelo BNA continua, já que estas “perderam” 4 mil milhões USD face a 2018.
Desde 2018, altura em que o Banco Nacional de Angola (BNA) pôs em marcha a reforma da política cambial, o Kwanza depreciou 80% em relação às principais divisas internacionais, nomeadamente o dólar e o euro, naquele que é considerado ser um caminho sem retorno. Longe vão os tempos em que bastavam 100 Kz para comprar um dólar e que ainda hoje valem suspiros um pouco por todo o País. “No tempo do dólar a 100 Kz é que era”, dizem alguns.
Contas feitas, em apenas seis anos o kwanza perdeu cinco vezes o seu valor face ao dólar e ao euro, o que significa que as famílias e as empresas passaram a precisar de mais kwanzas para comprar hoje os mesmos bens e serviços que há cinco anos. Isto porque em Janeiro de 2018 um dólar valia 165,9 Kz, e esta quarta-feira a taxa média era de 825,0 Kz, ou seja, hoje um dólar custa mais 660,1 Kz do que no início de 2018. Já um euro vale hoje mais 720,2 Kz que há cinco anos, de acordo com cálculos do Expansão (ver página 4)
A reforma cambial visava, por um lado, acabar com o diferencial, ou gap, entre as taxas de câmbio do mercado formal e informal (nas Kinguilas), ou no mínimo aproximá-las, mas também alargar os participantes (petrolíferas, seguradoras e diamantíferas) no processo de venda de moeda estrangeira, fazendo com o que o mercado, por si só, estabeleça o equilíbrio entre a procura e a oferta. Naquela altura, o gap do dólar era de 159%, já que nas ruas cada unidade da moeda norte-americana era despachada a uma taxa média de 430 Kz. Quanto ao euro esse diferencial era de 167% já que cada unidade da moeda europeia era vendida a uma taxa média de 495 Kz.
Hoje, esse que era um dos objectivos principais acabou por ser cumprido. Uma das kinguilas da capital do País disse ao Expansão que, esta quarta-feira, cada dólar está a ser vendido a uma taxa média de 900 kz, o que resulta um gap de 9% face ao mercado formal. Já o euro estava a ser despachado a uma taxa média de 1.000 Kz, o que significa um diferencial de 11% entre o formal e o informal.
Mas se funcionou num dos objectivos, falhou noutros. Isto porque o objectivo de diminuir a pressão sobre as Reservas Internacionais, está longe de ser cumprido, já que estas caíram 23% entre Janeiro de 2018 e Julho deste ano, passando de 17,8 mil milhões USD para 13,8 mil milhões. São menos 4 mil milhões USD.
Embora o início da política cambial tenha arrancado em 2018, só em Outubro de 2019 é que o BNA permitiu que a moeda flutuasse sem intervenção do banco central e após pressão do Fundo Monetário Internacional (FMI). Desde aquele período, o kwanza depreciou bruscamente, começando apenas a recuperar a partir do segundo semestre de 2020, no período após o choque da pandemia da Covid-19, quando os preços do petróleo começaram a disparar.
O que define o valor da moeda nacional é a relação entre a oferta e a procura, pelo que a quebra de receitas de petróleo devido à descida dos preços do crude nos mercados internacionais, bem como o pagamento de dívida externa pelo Estado e as necessidades de importações de combustíveis estão na base da forte depreciação cambial verificada nos últimos meses de 2023. A isto junta-se o facto de o Tesouro Nacional ter praticamente deixado de negociar divisas. Na prática, cumpre-se na taxa de câmbio as regras de mercado, ou seja, quando a procura é superior à oferta de dólares, o kwanza deprecia. E vice-versa. Assim, quase seis anos depois da reforma cambial levada a cabo pelo BNA no sentido da flexibilização da moeda nacional, o Kwanza afundou.
Famílias descontentes e empresas com mais custos
Entretanto, para o economista Wilson Chimoco, essa queda do kwanza representa para as famílias menos poder de compra, menos capacidade de poupança e menos opção de consumo. Para as empresas, embora tenham mais dificuldades, representa uma oportunidade de se reinventar. “É para elas se tornarem mais competitivas que este esforço está a ser feito. Têm de saber tirar proveito”, disse.
Maximiano Muende partilha o mesmo pensamento que Wilson Chimoco. O economista considera que a redução do poder de compra num País onde os salários estão desajustados tornou ainda mais descontentes as famílias porque não conseguem satisfazer as necessidades básicas como a educação e saúde. Para as empresas, o também consultor considera que a queda do kwanza tem um impacto na produtividade, uma vez que, devido à forte dependência das importações, os custos associados à produção ficaram mais caros.
“No final do dia, acaba também por afectar o Estado. Primeiro, porque as famílias estão mais tristes devido à perda do bem-estar, e segundo porque as empresas têm mais custos, e consequentemente, menos lucros, que por essa via diminuem a contribuição para geração de riqueza e a redução dos impostos”, disse.
Fonte: Expansão