A Biocom é o maior ‘doente crónico’ do Sector Empresarial Público no que diz respeito à ‘patologia’ de capitais próprios negativos. Seguem-se a ENDE e o Grupo Zahara como as empresas da esfera pública, cujos activos não dariam para pagar as suas dívidas se hoje fechassem portas.
Treze das 70 empresas do Sector Empresarial Público (SEP) que apresentaram as suas contas de 2023 ao Instituto de Gestão de Activos do Estado (IGAPE) estavam em falência técnica no final do exercício financeiro, com um acumulado de 908,0 mil milhões Kz em capitais próprios negativos, de acordo com cálculos do Expansão com base nos relatórios e contas destas empresas. Só a Biocom ‘responde’ por 53% deste valor, que até deverá ser maior já que o Entreposto Aduaneiro de Angola, que em 2022 estava em falência técnica, não entregou as suas contas de 2023 ao IGAPE como manda a lei.
Face a 2022, ano em que 71 empresas públicas apresentaram contas ao IGAPE, o número de empresas públicas em falência técnica diminuiu de 17 para 13, já que três dessas empresas foram entretanto extintas. Tratam-se das empresas EGTI (Empresa Gestora de Terrenos Infra-estruturados), da Instal-UEE (Empresa Nacional de Instalações Especiais) e da Hidroportos, e todas elas pertenciam ao Ministério das Obras Públicas, Urbanismo e Habitação. Também a TAAG deixou de fazer parte desta lista, já que a injecção de 121,4 mil milhões Kz do Estado na companhia aérea em 2023 permitiu que esta revertesse o capital próprio negativo verificado em 2022, de 17,6 mil milhões Kz. Apesar da diminuição do número de empresas em 2023, o valor dos capitais próprios negativos das empresas cresceu 43%, ao passar de -633,7 mil milhões Kz para -908,0 mil milhões Kz, equivalente a cerca de 1.100 milhões USD à taxa de câmbio do final de 2023.
A Biocom lidera destacadamente o ranking das empresas do SEP com maior falência técnica, já que no final de 2023 registou -438,4 mil milhões Kz em capitais próprios. Esta empresa de produção de açúcar, de álcool neutro e também de energia renovável é uma espécie de ‘doente crónico’ dentro do Sector Empresarial Público, já que apresenta capitais próprios negativos desde pelo menos 2020 (primeiro ano em que começou a publicar relatórios e contas no IGAPE foi em 2021 e revelava informação de 2020). Desde essa altura, esta empresa que até 2020 tinha como accionistas a construtora Odebrecht (40%), o grupo Cochan do general Dino (40% que entretanto foram entregues de forma voluntária ao Estado) e a Sonangol (20%) tem um resultado líquido acumulado de -248,6 mil milhões Kz.
Segue-se a ENDE, outro ‘doente crónico’ do SEP que quase duplicou os seus capitais próprios negativos em 2023 para 234,1 mil milhões Kz, equivalentes a 28% do total das 13 empresas do SEP em falência técnica. Já o grupo Zahara, conglomerado empresarial fundado por Dino e Kopelipa, que detém a propriedade do hipermercado Kero (sob gestão de outra entidade privada) bem como dos centros comerciais Xyami, registou capitais próprios negativos de 104,1 mil milhões Kz no ano passado.
As 13 empresas em falência técnica no final de 2023 pertencem a 9 órgãos do Estado, que vão deste a Administração Pública e Segurança Social (Escola de Administração e Políticas Públicas – ENAPP – quase 3,0 mil milhões Kz), à Agricultura e Floresta (Gesterra -323,6 milhões Kz), ao Ministério da Energia e Água (ENDE -234,1 mil milhões Kz e Águas do Zaire 0,9 milhões Kz). Segue-se o Ministério das Pescas e Recursos Marinhos com duas empresas (Edipesca Luanda com -2,1 mil milhões Kz e a Peskwanza com -460,7 milhões), o Governo Provincial de Luanda (Empresa Nacional de Construção de Infraestruturas Básicas – ENCIB – com -241,5 milhões). Quanto ao Ministério da Indústria e Comércio, tem duas empresas em falência técnica, as já referidas Biocom e o grupo Zahara. Já o Ministério dos Transportes tem apenas uma empresa em falência técnica, a TCUL (-4,3 mil milhões Kz em capitais próprios). Também o sector da Defesa tem uma empresa nestas circunstâncias, a Empresa Fabril de Calçados e Uniformes (EFCU), que tem -6,4 mil milhões Kz em capitais próprios.
Além de terem capitais próprios negativos, estas 13 empresas têm em comum o facto de todas elas terem registado prejuízos em 2023, um total de 294,7 mil milhões Kz. E apenas três não têm resultados operacionais negativos, contabilizando com ou sem subsídios do Estado: grupo Zahara, Angola Telecom e a Edipesca Angola. Mas como o grupo Zahara não apresentou relatório do auditor externo não se sabe se os dados apresentados pela empresa no relatório e contas ‘batem’ com a realidade.
Além das condições adversas da sua operacionalidade, pouco mais há em comum entre estas 13 empresas em falência técnica. Enquanto umas representam um fundado interesse público que justifica a sua existência, como a ENDE, outras demonstram, uma vez mais, a persistência do Estado em deter negócios que deveriam estar nas mãos dos privados. É o caso da empresa do Ministério da Defesa, a EFCU, criada em 2003 pela Casa de Segurança do Presidente para fabricar botas para as Forças Armadas e que emprega 1.468 trabalhadores. Produziu o ano passado um total de 31.448 botas, 126.044 uniformes e 20.564 camisolas, tem um capital próprio negativo em 6,4 mil milhões Kz e registou prejuízos de quase 1,3 mil milhões Kz.
Esta empresa pública viu, a par de outras três empresas em falência técnica, nomeadamente a Peskwanza, a Empresa Pública de Águas e Saneamento do Zaire (EPASZ) e o Grupo Zahara, o IGAPE chumbar-lhe as contas por não terem submetido demonstrações financeiras juntamente com um relatório de um auditor independente, o que limita a “análise do grau de fiabilidade das contas reportadas”, segundo revela o relatório do agregado das empresas do SEP 2023. Por outro lado, seis destas 13 empresas viram os seus auditores externos inscreverem reservas às contas de 2023, um total de 14. Quanto à ENAPP e a Edipesca Luanda, apesar de estarem em falência técnica, viram as suas contas aprovadas sem qualquer reserva dos auditores.
Quanto às que apresentaram relatório e contas todas têm em comum o alerta dos seus auditores sobre os riscos que os capitais próprios negativos representam para a continuidade das operações. Na prática, as falências técnicas obrigam as empresas a apertar o cinto, a avançar com uma reestruturação financeira e os seus accionistas a injectar capital para garantir a continuidade das operações. Olhando para estas 13 empresas do SEP, há casos mais graves do que outros, já que as Águas do Zaire, a ENCIB ou a Gesterra não têm o peso na economia de empresas como a Biocom, a ENDE, a Angola Telecom ou a TPA, que em conjunto empregam 14.277 trabalhadores.