Agostinho Neto morreu pobre

No DOM- Direção de Operações e Mobilização Regional, não tínhamos equipamentos. Ele foi lá uma vez e a população queria vê-lo e ouvi-lo. Tínhamos um megafone pequenino, emprestado pelo DOM – nacional, cujo som mal se ouvia.
Dois dias depois, mandou-me chamar e perguntou-me como é que fazíamos os comícios. Pediu-me para fazer uma relação daquilo que era preciso e mandou-me entregar à camarada Guiomar, a sua secretária.
Passado uma ou duas semanas, a camarada Guiomar, por telefone, disse-me que o Presidente mandou-me chamar.
Fui ao Palácio, e, quando lá cheguei, Agostinho Neto deu-me um salvo-conduto e um maço com notas de dólares para viajar para Portugal, para a compra de produtos, como megafones, que não haviam no País.
Depois de receber o dinheiro, ele olhou para mim e disse-me: “camarada Beto Van-Dúnem, não se esqueça de me trazer as facturas de tudo o que comprar e as do hotel onde estiver alojado”. Fiquei a olhar para ele um pouco meio apatetado. Ele, como talvez tivesse notado em mim alguma coisa, disse: “olhe, quando estou a pedir isso, não estou a pedir por desconfiar de si, estou a pedir porque eu tenho que apresentar contas”.
Talvez por ingenuidade ou mesmo por ignorância – era ainda novo e não conhecia as engrenagens governamentais -, perguntei: “então, o camarada Presidente também apresenta contas?” Ele olhou para mim, seriamente, e disse:
“o que é que o camarada Beto Van-Dúnem pensa que sou? Eu não sou o dono de Angola, sou o Presidente da República Popular de Angola e tenho que dar satisfações a este povo daquilo que faço.

O camarada que traga tudo para eu depois ir à Contabilidade entregar o justificativo do dinheiro que pedi”. Passados anos, quando me chama para dizer que eu tinha que ir para o Comércio Interno, depois da conversa que mantivemos, levantou-se e acompanhou-me até à porta. Quando chegou à porta, pôs uma mão sobre o meu ombro e disse: “o camarada vai para o Comércio Interno, mas vai prestar contas, porque o camarada não é o dono do Comércio Interno. É um servidor público e, como servidor do Estado, tem que dar satisfações ao povo a quem você serve.

A secretária de Neto telefonou-me, porque o televisor dele tinha avariado. Ele pediu para ligarem para mim, para ver se lhe mandavam outro televisor.

Foi posto um televisor novo, porque o que lá se encontrava estava completamente queimado. Dois dias depois, a secretária telefona-me a dizer que o camarada Presidente mandou perguntar quanto custou o televisor.

Eu disse para a secretária que era uma oferta da empresa. Numa reunião do Conselho de Ministros, a secretária disse-me que o Presidente me estava a chamar. Entrei e, já sentado, no seu gabinete, o Neto olha para mim e diz: “é assim que os camaradas querem governar este país?” Só porque uma pessoa é Presidente da República, compra uma coisa e não paga?” Quer dizer, eu, amanhã, se for a uma “stand” qualquer de automóveis, chego lá, tiro um automóvel e não pago?

Vou-me embora sem pagar, porque sou o Presidente da República? Diga-me quanto é que custou o televisor, porque se não é para pagar, pode mandar alguém buscar o aparelho”.

Qual foi a sua reacção?
Saí de lá meio envergonhado. Quando cheguei, no dia seguinte, ao Ministério, disse para passarem a factura e telefonei para o Futungo, para darem autorização para a entrada do homem que levava a factura. A camarada Guiomar, à tarde, telefonou-me e disse-me o seguinte: “camarada Beto Van-Dúnem, o camarada Presidente diz para não pôr na factura Presidência da República, ponha em nome de Agostinho Neto, porque o televisor é dele, é de quem vai pagar, com o dinheiro dele. E não se esqueça de pôr na factura PAGO”. O Neto era um homem honesto, não vivia deste país e é por isso que morreu Pobre.

Durante todos esses anos, nunca se especulou sobre a possibilidade de Agostinho Neto ter deixado contas no estrangeiro?

Nada, nada. Não existe nada. O Neto morreu com a roupa que tinha no corpo. Não tinha dinheiro.

Por isso, chamavam-lhede dirigentes Analfabetos.

“Saudades do MPLA do Povo”.

Por: Beto Van-Dúnem

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