ESTRATÉGIA NA SONANGOL: O CASO BCP–NOVO BANCO

Houve uma altura em que parecia que a Sonangol tinha percebido que necessitava de uma profunda reorientação estratégica, através da qual poderia tornar-se a empresa de referência de Angola e mesmo de África.

A nova estratégia assentaria em vários pilares, como a privatização de 30% do capital, a bifocalização nas energias fósseis e alternativas, o tratamento inteligente e sinérgico das participações em Portugal, designadamente na Galp e no BCP, e a transparência da governação interna, acompanhada de uma reestruturação de organização e procedimentos. Nesta altura, o preço do petróleo estava baixo, a economia angolana em recessão e eram necessários gestos corajosos.

O tempo passou e o preço do petróleo subiu. A estratégia da Sonangol voltou ao costume, acompanhando a evolução do preço do petróleo: o preço sobe, a administração bate palmas; o preço desce, todos choram, e deste ciclo infernal e degradante não se sai. No fundo, quer na Sonangol, quer na Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis sobressaem pessoas do passado ligadas a Manuel Vicente, pertencentes à “escola de gestão” que conduziu a Sonangol à pré-falência a que chegou em 2016, aqueles cuja gestão era maravilhosa, mas só quando o preço do petróleo aumentava.

Assim, a privatização parcial foi descaradamente adiada para depois de 2027, deitando por terra tudo o que João Lourenço tentou fazer junto dos investidores estrangeiros com as suas viagens internacionais. A governação continua sem regras de transparência, e às posições estratégicas em Portugal não subjaz nenhuma lógica aparente.

No entanto, a bonomia trazida pela subida do preço do petróleo não é um dado adquirido. Actualmente, o preço do petróleo está numa zona de instabilidade, com alguma tendência para descer, embora ainda pouco clara. Na sexta-feira, 31 de Março, o preço do barril Brent estava a 77,8 USD, enquanto na segunda-feira anterior (27 de Março) se situava nos 73,37 USD. Anote-se que o valor de referência para o Orçamento Geral do Estado de Angola para 2023 é de 75,00 USD. Nessa medida, a situação está bastante no fio da navalha, e a Sonangol deve voltar a encarar seriamente uma estratégia de reformulação.

Neste artigo focamos o posicionamento da Sonangol no banco português Millennium BCP. Este é o segundo maior banco privado português e nele a empresa angolana detém 19,49% do capital e dos direitos de voto. Segundo dados do próprio banco datados de 31 de Dezembro de 2022, a Sonangol é o segundo maior accionista, logo a seguir à empresa chinesa FOSUN, que detém 29,95%.

Ora, há vários factos a acontecer que justificam uma reflexão profunda por parte da Sonangol. Em primeiro lugar, a própria posição da petrolífera. Depois de, em 2020, insinuar que estaria vendedora (ver, por exemplo, aqui), decidiu que a sua participação no BCP é estratégica e por isso mesmo para manter. Mas estratégica não pode significar adormecida (como parece significar na Galp).

Em segundo lugar, a FOSUN da China (accionista n.º 1 do BCP, como já referido) tem enfrentado enormes dificuldades nos seus negócios, e está a vender activos, especulando-se sobre a sua saída do BCP. Qualquer que seja a realidade por detrás da FOSUN, o certo é que não se pode contar com ela para propulsionar o BCP. Terá de ser a Sonangol a assumir esse desafio.

Em terceiro lugar, há a questão do NOVO BANCO. Abundam em Lisboa rumores não confirmados acerca da eventual saída dos actuais accionistas americanos do NOVO BANCO e da venda deste a uma entidade espanhola, colocando-se como alternativa algum tipo de fusão ou aquisição com o BCP. Em Janeiro deste ano, o presidente da Sonangol mostrou interesse em apoiar essa iniciativa.

É evidente que estamos perante um enorme desafio estratégico para a Sonangol e para a sua participação no BCP. O cenário que se desenha é o seguinte: os accionistas do NOVO BANCO poderão estar de saída e antevê-se a possibilidade de uma manobra de aquisição ou fusão entre o NOVO BANCO e o BCP. Ora, este movimento NOVO BANCO+ BCP permitiria criar um dos grandes bancos ibéricos, o que colocaria a Sonangol – e, por esta via, o Estado angolano – no centro das atenções.

Neste momento, a Sonangol é a entidade que está mais bem colocada para viabilizar e quiçá congregar o financiamento para uma operação deste calibre, tornando-se um dos principais actores no mundo financeiro da Península Ibérica.

A questão que se coloca é se a Sonangol tem efectivamente alguma estratégia delineada para esta questão, se a pensou, se tem capacidade para se antecipar aos acontecimentos e desempenhar um papel relevante, ou se vai continuar meramente a acompanhar a onda do preço do petróleo, complementando essa passividade com exercícios de relações públicas.

A participação activa da Sonangol numa eventual fusão ou aquisição envolvendo os bancos portugueses NOVO BANCO e BCP é um tema de Estado estratégico para Angola. O modo de actuação nesta matéria permitirá aferir o calibre estratégico da administração da Sonangol. E também a transparência da governação. As decisões tomadas pela Sonangol serão um verdadeiro sinal para os investidores estrangeiros e permitirão compreender que possibilidades tem Angola de se tornar um parceiro financeiro internacional credível e actuante.

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