Presos na máscara, vítimas da desinfecção
Fala-se muito do normal mas, dizem também, o normal era o nosso maior problema. Nestes dias questiono-me sobre o que é, afinal, o normal.
A máscara, que nos esconde parte do rosto, passou a ser essencial. Para além de uma comunidade que fica (ainda mais) alheada da comunicação porque não pode ler os lábios ou observar as expressões faciais, perdemos o sorriso e, sem sorrir ou partilhar um sorriso, não poderemos estar bem.
Foi-nos imposto um regresso a casa que, para alguns foi uma oportunidade para fazer mais devagar, o que também provoca um certo tipo de stress, resultante do tempo passado entre quatro paredes, sozinho ou dividindo a mesa da sala com quem mais tem de trabalhar, sempre no mesmo local.
Agora, que podemos sair, vemos o mundo numa ansiedade colectiva que individualmente escondemos, porque ainda não questionámos as consequências pessoais, sociais e institucionais do eventual colapso do que tomámos como certo: a sociedade.
Nas ruas, homens de fatos especiais desinfectam os passeios, em casa e nos locais públicos a desinfecção é contínua, numa mistura explosiva de detergentes e água os quais, pergunto-me, terão tratamento antes de chegarem aos lençóis freáticos, aos lagos, rios, aos mares e oceanos? Pensem comigo: se usamos mais químicos para nos protegermos do vírus e, estes, são descartados no esgoto doméstico, estaremos a enviar mais químicos para o meio ambiente.
Ainda não sei o que acontece à lixívia numa ETAR mas sei que, se diluída numa determinada quantidade de água não é nociva, como sei que não há descargas químicas para o meio ambiente. O que dizer, contudo, dos detergentes que, pela sua composição, interferem na oxigenação da água, formam uma espuma e favorecem a proliferação de algas, impedindo a entrada de luz ou seja, a oxigenação.
Conudo, que impacto para o uso recorrente – quem sabe até excessivo – da lixívia, conhecida pelo seu baixo custo e poder de desinfecção mas que é, também agente corrosivo, de fácil decomposição quando misturado com elementos orgânicos ou outros produtos de limpeza e, sobretudo, tóxico?
Há quem diga que este vírus foi o melhor que nos poderia ter acontecido porque nos confronta com o que precisávamos fazer, num “normal” que já era o mundo em crise, evitando assim, o que muito cientistas afirmam, de que o mundo caminha rapidamente para o extermínio global.
Agora que escondemos o rosto atrás de uma máscara e perdemos parte do que nos caracteriza, agora que desinfectamos tudo à nossa passagem, será que o vírus, em vez de nos matar pela doença vai matar “pela cura”? Num mundo asséptico, no qual as crianças não interagem ou brincam na terra e os adultos se desinfectam, sem nunca provarem fruta directamente das árvores, perdemos as nossas defesas e, num ambiente que recebe mais lixívia do que aquela que consegue absorver, o extermínio é eminente.