Mesmo numa “arena de competição” que privilegia quem controla o Estado, o MPLA perde ano após ano eleitorado. “Salta à vista que há uma mudança do eleitorado”, diz investigador.
O escritor angolano Carlos Pacatolo apontou a elevada abstenção e a mudança sociodemográfica do eleitorado como a base para o decrescente domínio do MPLA, partido no poder desde 1975, no sistema partidário de Angola.
O autor do livro “O Domínio Decrescente do MPLA no Sistema Partidário em Angola” 2008-2022, esta quinta-feira lançado em Luanda, numa cerimónia bastante concorrida, que contou com a participação de várias personalidades da sociedade civil angolana, políticos e académicos, concluiu também que a estratégia de coligação usada pela oposição, liderada pela União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), nas eleições gerais de 2022, contribuiu também para esse decréscimo do domínio do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).
Em declarações à Lusa, o investigador, doutor em ciência Política e Relações Internacionais, pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, referiu que na obra foi feita uma reflexão a partir dos dados eleitorais oficiais, que permitiu concluir que de 2008 a 2022 “o MPLA tem vindo a decrescer“.
“Apesar de ser o partido que domina o nosso sistema partidário, esse domínio é caracterizado por um decréscimo. É essa a constatação que motivou a nossa investigação, tentar compreender o que nos pode ajudar a explicar porquê que o MPLA domina, mas de forma decrescente, ao longo das últimas quatro eleições”, salientou.
Carlos Pacatolo sublinhou que o MPLA é um partido dominante no sistema partidário, porque por quatro vezes consecutivas ganhou as eleições, contudo, vai decrescendo mesmo “na arena da competição democrática desequilibrada, a favor de quem governa, a favor de quem tem o controlo de todos os meios, a favor de quem tem o controlo do Estado“.
“Não obstante esse contexto, o que nós vemos é que ele vai decrescendo, isso é que motivou a nossa curiosidade académica, a nossa investigação, para tentarmos perceber o que é que está a acontecer com a sociedade angolana, sobretudo o que é que está a acontecer com os eleitores angolanos”, frisou.
“Será que deixaram de votar, será que vai diminuindo o número de pessoas que votam ou está a acontecer algo para além do óbvio? Para além dos dados que nós analisamos, seja de inquéritos de opinião, seja de entrevistas, dão-nos várias pistas de compreensão desse domínio decrescente do MPLA”, acrescentou.
Segundo o escritor, desde logo, “salta à vista que há uma mudança do eleitorado, há um eleitorado cada vez mais jovem”, mas que também vota menos, sem se saber as razões, havendo apenas a certeza que “quem conseguir mobilizar esse eleitorado para o voto pode ter um desempenho eleitoral surpreendente”.
“O que nós também sabemos é que além dessa mudança demográfica que está a ocorrer no eleitoral angolano, o facto de a oposição se ter apresentado de forma coligada nas eleições de 2022, numa coligação que chamamos de coligação de vontade, contribuiu também para um decréscimo ainda mais acentuado daquilo que tem sido o domínio do MPLA, na medida em que, pela primeira vez, a UNITA chega a 90 deputados“, disse.
Nas últimas eleições, ajuntou Carlos Pacatolo, o MPLA deixou de ser o partido que dominava com maioria qualificada para maioria absoluta, o que aponta para desfechos ainda desconhecidos.
De acordo com o autor, uma das respostas que os dados mostram é a elevada abstenção, de eleitores que tradicionalmente votariam no MPLA, e, sobretudo, nessas últimas eleições não votaram, que “quando questionados entre votar no MPLA e votar na oposição, preferem votar no MPLA, mas quando questionados entre não votar e votar no MPLA, eles escolhem abstenção”.
“Basta pensarmos que em 2022, a abstenção chegou aos 55%, é muita abstenção, o maior desafio é mobilizar esses descontentes, é mobilizar esses que decidem não votar, quem conseguir essa proeza seguramente ganha as eleições”, frisou.
Carlos Pacatolo destacou igualmente que o eleitorado mais jovem não vota “por razões de voto identitário“, ou seja, porque é militante ou os pais também foram, mas com um sentido de voto mais avaliativo, sobretudo sobre o desempenho do governo.
Este livro publicado agora foi tese de doutoramento do escritor, em 2023, que pensa já avançar para uma investigação sobre as razões da abstenção eleitoral.
Fonte: Lusa